domingo, 23 de outubro de 2011

Um novo vício



Não me deixo levar tão facilmente por histórias que exploram o universo fantástico. Mas quando são bem engendradas, com roteiros bem feitos e coerentes com o universo que criam, entram na minha lista de favoritos. Foi assim com a trilogia "Senhor dos Anéis", com os últimos três "Harry Potter" e com o primeiro "Matrix". A saga de Neo, aliás, é um exemplo de como errar a mão, quando se observa os dois filmes seguintes, "Reloaded" e "Revolutions". Na ganância de repetir o sucesso da primeira produção, os irmãos Wachowski inventaram continuações sem pé nem cabeça, verdadeiros micos. Outro que vem colecionando erros é M. Night Shymalan, que tanto prometia com sua estréia "O Sexto Sentido" Quando a escolha é por ser mais sutil, as chances de êxito são maiores, caso de alguns filmes de Pedro Almodóvar e do ótimo "Labirinto do Fauno", dirigido por Guillermo del Toro.

Não tenho costume de assistir séries da TV americana, especialmente aquelas cujos capítulos não são fechados em si e demandam acompanhamento semanal. Não que eu não goste, mas a questão é que falta disciplina para acompanhar todos os capítulos religiosamente. E como não sou exatamente uma pessoa que fica muito em casa, a tarefa torna-se ainda mais árdua. Mas eis que as séries passam a ser vendidas como febre em boxes de DVDs e também ficam disponíveis quase que imediatamente na Internet. E não há nada melhor do que assistir um capítulo e poder assistir o seguinte sem precisar esperar uma semana inteira.

Em um contexto, portanto, improvável, acabei me viciando de vez na série norte-americana "True Blood". O universo temático é o mais fantástico possível, com vampiros, telepatas, lobisomens, transmorfos, e por aí vai... Ou seja, nada sutil. A série, que já está na quarta temporada, tem bem mais testosterona que outros produtos ligados a vampiros, como o chatinho "Crepúsculo". É adulta - com doses cavalares de violência e sexo - e traz personagens complexos e bem trabalhados. O roteiro é redondinho, fazendo com que os personagens mais absurdos se encaixem perfeitamente na narrativa. Cada capítulo termina de um jeito tão surpreendente que o mais difícil é desligar o DVD. A tendência é emendar um episódio no outro. Sempre algo de importante acontece, o que mostra que em termos de dramaturgia, nós brasileiros estamos muito atrás. A morosidade de nossas novelas não tem comparação com as (boas) série gringas.

"True Blood" se concentra principalmente na pequena e fictícia cidade de Bon Temps, no estado da Louisiana. Nada melhor que um local onde todos se conhecem e que guarda segredos dos mais incríveis, justamente como outra famosa cidade da televisão, a Twin Peaks da sensacional série de mesmo nome. Só que em Bon Temps não moram só humanos, mas também vampiros e outros seres incomuns. A protagonista é Sookie Stackhouse, telepata que é objeto de desejo de todos. Interpretada pela garota prodígio Anna Paquin, possivelmente no papel de sua vida, Sookie se envolve com o vampiro Bill, que é encarnado pelo inglês Stephen Moyer (hoje marido de Paquin). A partir desse momento, a vida dela vira de cabeça para baixo e nunca mais Sookie terá um dia de paz. Em um mundo em que humanos e vampiros começam a conviver, muitas dúvidas pairam pelo ar e discussões apaixonadas sobre preconceito e aceitação entram na ordem do dia. A primeira temporada de "True Blood é nada menos que excepcional, mas o criador Alan Ball não deixa a peteca cair nas duas temporadas seguintes, que vão ganhando personagens cada vez mais bizarros.

Enquanto espero a quarta temporada acabar - para assistir os episódios sem impedimentos temporais - já começo a pensar na próxima série da lista. Desconfio que estou entrando em um vício que vai me pegar pelo pé. E me despeço sem medo das cada vez mais chatas novelas brasileiras...

domingo, 17 de julho de 2011

Playlists da vida



A peça "Trilhas Sonoras de Amor Perdidas" despertou as mais diversas sensações em mim. A principal delas, não vou mentir, foi a saudade. Longe da melancolia, afinal não troco a minha vida de hoje pelo passado, mas uma saudade boa de tempos que não voltam mais. Assim como o ótimo filme "Alta Fidelidade", "Trilhas Sonoras..." usa a música para contar uma história de amor (ou várias, no caso do filme), com todas as desventuras, encontros e desencontros. E o que importa aqui são as fitas cassetes gravadas, depois substituídas pelos CD-Rs e por fim pelas hoje famosas playlists. Todas aquelas músicas tocadas na peça, algumas poucas novas para mim e a maior parte componente da minha história, me levaram para anos atrás, em Salvador.

Uma das lembrança mais antigas foi o primeiro apartamento que vivi, em São Lázaro. Meu irmão costumava ouvir música às alturas, com a porta do quarto fechada. Ainda guri, não me interessava pelo rock que saía pelas frestas da porta. Pouco tempo depois, já estava fuçando os CDs dele e encontrando algumas das bandas que até hoje estão entre as minhas favoritas. Foi assim que conheci o Led Zeppelin, por exemplo, até hoje meu número 1. Ouvir bandas deste tipo enquanto meus amigos na escola no máximo escutavam Dire Straits - estamos falando de Salvador, não se esqueçam - parecia até um segredo bem guardado. Um segredo, porém, compartilhado com meu irmão, minha irmã e meus primos, que me colocaram no caminho do rock.

A peça dirigida por Felipe Hirsch em seguida me lembrou do tempo que passei a ser o jovem com porta fechada, abafando o som às alturas. Tomava banho todos os dias ouvindo um CD diferente, colocando o som no chão do banheiro e descobrindo novas bandas. Em seguida veio meu primeiro carro, que levava cases dos álbuns que faziam minha cabeça. Versões em miniatura dos cases de mais de 200 CDs que eu levava debaixo do braço para as casas dos amigos. Ao entrar na faculdade, nova fase. Estudando jornalismo, encontrei outras pessoas que curtiam rock como eu. Com um grupo heterogêneo, comecei a me tornar rato do Rio Vermelho, principal bairro boêmio e musical de Salvador. O rock da Bahia entrou na minha circulação sanguínea e passei a conviver com pessoas que gostavam ainda mais das boas canções. Algumas delas eram de fato bem semelhantes aos personagens principais de "Trilhas Sonoras de Amor Perdidas", interpretados por Guilherme Weber e Natália Lage.

Daí a me tornar jornalista musical foi um passo. Produzir um programa de videoclipes na TV Salvador, montando minhas próprias playlists, era a realização de um sonho. Conhecer alguns dos meus artistas favoritos e entrevistá-los no Correio da Bahia só aumentou a participação da música na minha vida. Os seguidos festivais, que desde 2001 se acumulam em listinhas do que já vi e do que quero ver, não deixam a chama do rock se apagar. Mas a peça que assisti hoje serviu também para me atiçar, lembrando que não devo deixar a correria do dia-a-dia tirar o prazer que sempre tive de montar playlists, revisar meus CDs e revisitar as bandas que fizeram parte da minha história e que, por algum motivo, acabaram substituídas por outras mais novas. Afinal, elas são testemunhas da minha história.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Energia não tem idade



Não vou mentir que, mesmo com todas as adversidades, eu curti o show de Amy Winehouse, em janeiro passado. Mas foi só assistir ao vulcão Sharon Jones e sua banda The Dap Kings, no último sábado, durante o BMW Jazz Festival, para eu avaliar o show de Amy com um olhar mais crítico. A comparação entre as duas divas do soul tem seus motivos. Foi a própria Amy que colocou os holofotes em cima de Sharon Jones, quando convocou a banda de apoio dela para gravar o disco "Back to Black". A jovem inglesa ficou tão fascinada que se inspirou declaradamente na sonoridade deles para elaborar seu disco de maior sucesso.

Ao ver as duas cantoras no palco, num intervalo de menos de seis meses, definitivamente fico com a menos famosa. Carregando 55 anos nas costas, Sharon Jones cantou como se fosse a última vez, dançou, urrou e fez o público sisudo do Auditório Ibirapuera se levantar para balançar junto com ela. No contraponto, a inglesinha Amy pouco se movimentou no palco, cambaleou um tanto e fez apenas o básico - o que já é bem bom, afinal o vozeirão dela não deixa a peteca cair. Mas não encantou, não impressionou e deixou um gostinho levemente amargo na boca do público.

Já o gosto que deixou Sharon Jones na boca de seus fãs foi de quero mais. Foram duas horas de um show intenso e divertido, da mais alta qualidade. Soul music de raiz, com pitadas do funk de James Brown e da boa música africana. Dava orgulho ver no palco uma cantora dando tudo de si, fazendo valer cada minuto dispensado pelo público. A interação com a platéia era constante e do alto dos seus (se muitos) 1,50m de altura, Sharon parecia uma gigante. E que voz!

Mesmo injusto por muito tempo, o mundo dá suas voltas e compensa mesmo que tardiamente. Esnobada quando jovem por ser negra, baixinha e feia, Sharon Jones só estreou como cantora aos 40 anos de idade. Antes disso, continuou emprestando sua garra a outros ofícios, como o de carcereira. Ao abraçar a música, realizou seu sonho e caminhou lentamente para o estrelato. Foram dois discos menos conhecidos e um terceiro que se aproveitou da fama alcançada pelos Dap Kings após a gravação deles com Amy. "100 Days, 100 Nights" levou Sharon Jones & The Dap Kings ao posto de sensação do soul, posição confirmada pelo também ótimo "I Learned The Hard Way". Agora, no auge tardio de sua carreira, esta talentosa norte-americana mostra que tem gás para muitos anos, amparada por seus fiéis escudeiros. Afinal, não é qualquer uma que faz quatro shows na sequência (sábado e domingo em São Paulo, hoje em Salvador e amanhã no Rio de Janeiro) e nem parece cansar.

sábado, 4 de junho de 2011

A volta dos mutantes



Não há história em quadrinhos (de super-herói) com a profundidade do X-Men. Quando se imaginava que a série estava desgastada no cinema, após um terceiro filme inferior e um pouco elogiado capÍtulo dedicado a Wolverine, o estúdio Fox reinventou a saga em grande estilo. Para isso, convocou o diretor dos dois primeiros e excelentes X-Men, Bryan Singer, para colaborar com o roteiro. E contratou o não tão experiente diretor Matthew Vaughn para dar frescor a um filme que narra como surgiu o grupo dos mutantes, "X-Men: Primeira Classe".

E tudo funciona perfeitamente bem, perigando ser esse o melhor exemplar destes fantásticos heróis da Marvel. Costurando o enredo fictício com momentos dramáticos da História mundial, como a 2a Guerra Mundial e a Crise dos Mísseis de Cuba, o filme é inventivo e divertido. Como é comum quando se trata do grupo mais atormentado dos quadrinhos, é discutido, com relativa profundidade, temas como preconceito, raiva e vingança. É possível substituir os mutantes por qualquer grupo que sofre preconceito, como os negros, os judeus, os gays. A essência é a mesma e a intolerância salta latente aos olhos.

Neste primeiro filme de uma possível nova trilogia, entendemos o que motivou Magneto a se tornar um violento combatente dos humanos; percebemos como surgiu a amizade entre Magneto e Professor Xavier - e como ela ficou abalada; observamos a criação dos X-Men e a relação do grupo com a CIA; e vemos alguns dos mutantes no início da trajetória, aprendendo a controlar seus poderes. Nem sempre com extrema fidelidade às HQs, mas sempre com muita coerência com o próprio filme. Não há pontas soltas. Para os fanáticos por ação, esse é um filme mais pautado pelos diálogos e roteiros, mas ainda assim há cenas eletrizantes. O elenco jovem dá o gás que a série pedia, com destaque para James McAvoy, Michael Fassbender e Jennifer Lawrence.

Em "X-Men: Primeira Classe" fica ainda mais claro que a linha que separa os heróis dos vilões é muito tênue. Como não entender as motivações de Magneto? Serão mesmo tão menos nobres que o discurso pacifista de Xavier? Como Malcom X e Martin Luther King, eles duelam com as armas que lhe cabem, sempre em busca da aceitação pela sociedade. Darão pano para manga para mais capítulos. E que venham, pois, as próximas etapas dessa história atemporal.

domingo, 1 de maio de 2011

Um grata surpresa



É praticamente um clichê falar que o ideal é não criar expectativa, pois assim dá para diminuir a possibilidade de decepção. Tudo que vier é lucro. Bom, para mim, não funciona bem assim. Geralmente, minhas expectativas são altas, potencializadas pela ansiedade para que aconteça logo ou então por amplas pesquisas sobre o tema. Acontece comigo quando se trata de programas culturais e gastronômicos, os meus favoritos. E também com o outro componente da tríade ideal: as viagens. Quando uma se anuncia no horizonte, inicio as longas pesquisas, armo roteiros e penso nos detalhes. Confesso que tenho dado sorte, com as viagens alcançando justamente a alta expectativa criada. A exceção ficou por conta da mais recente, na Semana Santa. Destino? Bogotá, capital da ainda pouco conhecida Colômbia (ao menos no Brasil). A diferença? Bem, Bogotá superou (e muito) as minhas expectativas, desta vez não tão altas. Explico: mesmo ouvindo os mais diversos elogios dos poucos amigos que já conheciam a Colômbia, não estava tão seguro do que encontrar pela frente. Na minha cabeça estava algo entre a pouco apetitosa Caracas e a interessantíssima Havana. As pesquisas na Internet, que muito me ajudaram a montar o roteiro, não eram tão precisas e as fotos que vi nem sempre eram da melhor qualidade. Reinava, então, o ponto de interrogação, que só aguçava a minha curiosidade.

Pois então, parti de coração aberto rumo a Bogotá, numa quinta-feira santa. Não precisei de mais de 20 minutos (o caminho do aeroporto para o hotel) para me entregar a capital colombiana. Do táxi, vi uma cidade arrumada desde os arredores do aeroporto, região que geralmente não é digna de muito elogio nas grandes capitais. A cada quarteirão, a metrópole me impressionava com setores modernos, alguns outros bem tradicionais e outros chiques, com "cara de primeiro mundo". Tudo limpo, civilizado, rodeado de árvores e deixando uma certeira sensação de segurança. Numa pergunta rápida para aqueles que não conhecem a Colômbia, a avaliação provavelmente seria contrária. Falariam que a cidade é perigosa por conta do tráfico de drogas, caótica como muitas cidades latino-americanas e suja. Pois Bogotá é exemplo entre as capitais do nosso continente, agora tenho segurança para falar.

A arquitetura de Bogotá é um destaque à parte. As casas e edifícios baixos de tijolinhos, com aquela cor característica mezzo alaranjada, só ajudam a criar o clima sofisticado, especialmente em áreas como o Parque da 93 e a Zona Rosa. A temperatura sempre amena - quase o ano todo entre 13 e 18 graus - é a ideal para esse baiano que vos fala. Sim, sou baiano, mas não gosto mesmo de calor. Os vários parques distribuídos pela cidade são bem cuidados e frequentados. Caminhar é uma opção indicadíssima. Mesmo de noite (ao menos na região mais turística), andar nas ruas não é perigoso. Não me senti ameaçado em nenhum momento. Muito pelo contrário, me senti acolhido pelo orgulhoso povo colombiano.

Aliás, essa foi uma das coisas que mais me impressionou: a educação e boa vontade dos bogotanos. Todos são muito solícitos e quase lhe pegam pelo braço para ajudar. Gostam da noite, frequentam bares e valorizam muito a cultura. Parecem ter muito orgulho da Colômbia, num esforço conjunto para mudar a imagem do país. E estão fazendo isso aos poucos, mas com consistência, se preparando bem para receber os visitantes. Se Bogotá já é um destino interessantíssimo, em conjunto com outras localidades, como Cartagena e San Andrés, pode formar uma viagem inesquecível. E se você gosta de comer bem, a capital colombiana é também uma excelente opção. Pensando na América do Sul, não chega ao patamar da imbatível Lima, mas até nisso eles dão um jeitinho. A quantidade de restaurantes peruanos - inclusive Astrid y Gastón e La Mar, ambos do superchef Gastón Acúrio - surpreende. Mas claro que há destacados restaurantes típicos, além de internacionais de qualidade superior. E o melhor: com ótimos preços. Para uma refeição do mesmo nível dos principais restaurantes de São Paulo, paga-se a metade. Só não é mais barato que táxi. Para atravessar Bogotá de ponta a ponta, basta desembolsar entre 15 e 20 reais. Não raro, a conta dava entre 5 e 8 reais. Uma pechincha.

Pois então, se você quer fazer uma viagem dentro do continente, quer gastar pouco e receber muito de volta, escolha Bogotá sem medo. Os passeios são muitos e a diversão é garantida. Seguro que sí!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Rock na veia



A safra das biografias musicais é das melhores. Claro, ainda teremos que conviver com bombas como o livro sobre a vida de Justin Bieber - cujo resumo caberia numa (medíocre) redação do Ensino Médio, mas há opções interessantíssimas para quem gosta da boa música. No Brasil, o destaque é o verborragico Lobão, que em alguns momentos é o chato de plantão, mas certamente tem muita história para contar. No exterior, tem Keith Richards, Ozzy Osbourne e Patti Smith. Todos sobreviventes do rock, verdadeiras lendas. O primeiro da fila de leitura foi Keith Richards. A autobiografia "Vida", elaborada com o apoio do escritor James Fox, é um divertido extrato de uma das trajetórias mais loucas do rock. Ao contrário do que se imagina, Keith lembra sim de muita coisa. Quando não se lembra, põe amigos e parentes para falar por ele, num recurso que dá dinâmica à narrativa.

Keith é a figura mais interessante dos Stones. É um daqueles rockstars que personifica o rock'n'roll como deve ser: sujo, sacana e intenso. Não dava para esperar uma biografia limpinha desse rockstar. "Vida" é verdadeira e recheada de drogas, mulheres e de opiniões pouco convencionais. Carregada de ironia, tem passagens hilárias, observações inéditas sobre alguns dos astros que transitaram ao redor do guitarrista e trechos sobre a música dos Stones e a maneira de Keith tocar. Algumas (poucas) passagens exageram no tom técnico, nada que atrapalhe a narrativa fluída e envolvente.

Como não poderia deixar de ser, a louca ciranda das drogas está no centro das atenções. Ele narra o seu movimento inicial, o mergulho no mundo dos ácidos e cocaína até chegar na temida heroína. Mesmo não fazendo apologia às drogas, Keith desenvolve quase um manual de uso, classificando o melhor tipo de heroína, o que se deve evitar ao tomar a droga e qual a sensação ao experimentá-la. Não tem receio de contar os detalhes mais tenebrosos, o que incluir a agoniante descrição das crises de absistência. Em uma passagem, ele chega a dizer que é melhor ter a perna explodida numa trincheira ou morrer de fome do que passar por uma crise desse tipo. E assusta ao dizer que sua ex-mulher Anita Pallenberg conseguia ser pior que ele - o que, diga-se de passagem, levou a separação dos dois. Ele chega a dizer que tinha medo de Anita e se escondia com o filho Marlon até ela se acalmar. "Anita era como Hitler, ela queria que tudo desmoronasse junto com ela. Por mim eu ainda estaria com ela! Mas Anita jogou tudo fora. Ela agora esta bem, Tornou-se uma avó maravilhosa", completa Keith.

Mesmo não sendo nenhum santinho, Keith largou a heroína há mais de 30 anos. Não sem antes colocar a vida em risco nas mais diversas situações e ser preso durante algumas outras. Na pior fase, ficou nove dias sem dormir e levou o filho de sete anos para uma louca turnê dos Stones, colocando o menino para ser babá dele. Sempre na estrada, entupido de drogas e com os tiras no encalço. Mas não é só de loucuras que Keith fala. Em alguns momentos, ele deixa aflorar uma rara sensibilidade. Defende o amor mais responsável e diz que nunca gostou das transas loucas com groupies. Ele gostava mesmo era das "groupies enfermeiras", aquelas que só tomavam conta dele. Não dá para negar que essa figura romântica não combina tanto com Keith, mas ele até que convence o leitor no discurso.

Em um dos momentos mais emocionantes do livro, Keith fala da morte do filho, Tara, de 2 meses. Ele não se perdoa por ter saído em turnê e deixado o filho recém-nascido para trás. Foi um mal súbito, mas Keith afirma que "agora existe um espaço permanentemente gelado dentro de mim (...) Hoje em dia isso me atinge aproximadamente uma vez por semana". Morte, aliás, é um assunto recorrente no livro. Muitos amigos de Keith se foram, boa parte deles por conta das drogas. Ele fala com carinho de Gram Parsons, James Belushi (segundo ele, uma experiência extrema até para os padrões dele) e Ian Stewart. A morte deste último, que recebe de Keith o crédito como o cara que fez os Stones de fato surgir, foi o maior golpe para Keith, só perdendo para a morte do seu próprio filho.

Quando fala de amizade, Keith faz questão de dar crédito aos que mais o influenciaram, conta histórias divertidas de seus amigos menos conhecidos e foca naqueles que foram os companheiros dos Stones. Além do já citado Ian Stewart, ele tece os mais justos elogios a Charlie Watts, Ron Wood (que foi levado aos Stones por Keith) e Mick Taylor. Brian Jones aparece mais como uma figura asquerosa, que maltratava os amigos e a namorada Anita Pallenberg. Ela mesma, que depois foi roubada por Keith, num gesto pouco nobre. Claro que Keith relativiza os defeitos de Brian e mostra alguma afetividade, mas a imagem final não é nem um pouco favorável. Quando se trata de Mick Jagger, o buraco é mais embaixo. Num típico morde e assopra, Keith coloca o amigo-irmão nos céus, para em seguida derrubá-lo com os mais terríveis xingamentos. A relação dos dois piorou drasticamente quando Keith largou as drogas e resolveu se envolver mais detalhadamente nos negócios da banda. Nesse ponto, Jagger já se achava o dono dos Stones e estava cada vez mais distante. Vestindo a carapuça de superstar, o vocalista se envolveu com a alta sociedade, passou a exigir algo mais que os outros integrantes e deixou as amizades em segundo plano. Aborrecido, Keith afirma: "Deve ter uns 20 anos que não vou no camarim dele. Às vezes sinto falta do meu amigo. Onde diabos ele foi? Se a merda voar no ventilador, ele estara lá. Mas Mick com o passar dos anos foi se isolando mais e mais". Os piores momentos ocorreram quando Mick Jagger resolveu se dedicar a carreira solo, culminando com a decisão de não sair em turnê com os Stones em 1985. Bradando por todos os cantos que os Stones era uma pedra amarrada ao pescoço dele, Jagger se indispôs com toda a banda.

"Vida" é, pois, um livro humano, longe do politicamente correto, que conta com sagacidade a trajetória dos Rolling Stones, em particular desse inusitado rockstar, desde o nascimento até os dias de hoje. Obrigatório para quem curte o bom e velho rock´n´roll e mais ainda para quem é fã desta que é uma das maiores bandas da história. Ao final da leitura, uma das impressões que fica é que todos os roqueiros da atualidade são animadores de festinha de criança. E que poucos podem com o velho Keith Richards.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Os vários estágios do rock


Quem lê esse blog com certa assiduidade, já entendeu que eu sou viciado em shows. Assim como 2010, 2011 caminha em passos largos para ser preenchido com pelo menos três dezenas de shows internacionais para o currículo. São Paulo ferve e a cada semana alguma atração gringa bate por aqui. Já me arrependi de ter perdido alguns dos shows, com maior destaque para Ozzy Osbourne. Dormi no ponto, perdi a chance. Já tive a oportunidade de assistir esse ano a shows de artistas nos mais diversos estágios de carreira. Primeiro foi Amy Winehouse, que ainda não conseguiu sair do inferno astral, lambe os beiços da decadência, mas ainda oferece lampejos de genialidade. Na mesma noite, Mayer Hawthorne, sem qualquer obrigação de estrela, fez show leve e divertido. No meio das duas atrações, a jovem Janelle Monáe se desdobrou no palco para agradar a todos. Mas como estreante ansiosa, foi muito boa em alguns momentos e meio "over" em outros. A impressão clara é que após lançar o segundo disco, ela poderá equilibrar com mais clareza o seu repertório. Talento, ela tem de sobra.

Há os shows que surpreendem. Nesse quesito, esse ano, quem brilhou foi Kate Nash. Ganhar ingresso para show já lhe deixa com a maior boa vontade em relação ao artista, mas Kate foi além. Deu nova vida às suas já ótimas músicas, colocando sujeira nos arranjos e portando-se como uma rock star. Em alguns momentos, tive a nítica sensação de estar assistindo ao Breeders ou Sonic Youth. Grata surpresa. Infelizmente, também existem os shows de despedida. E algumas despedidas acontecem no auge da carreira, como foi o caso do LCD Soundsystem. Com a casa lotada, James Murphy e sua trupe mostraram porque sempre estão na lista dos mais criativos da música atual. Rock com generosas pinceladas de eletrônica, numa música que não lhe deixa parado e tem mensagem relevante. Mas antes que a banda começasse a se repetir, eles resolveram encerrar as atividades. Bom, pelo menos passaram no Brasil antes disso!

Nos últimos sete dias, pude assistir a dois shows de bandas praticamente opostas, pelo menos quando analisamos o momento da carreira. Primeiro foi o The Drums, com seus garotões no palco e sua música urgente e imperfeita. Jovens, ainda inexperientes e com apenas um disco nas costas, fizeram um show vibrante, acompanhados pelo público também jovem e cheio de estilo. O som igualmente imperfeito do Estúdio Emme prejudicou um pouco a performance, mas só colaborou para a sensação de estar assistindo a uma banda no seu desabrochar. O lugar pequeno e apertado fechavam o cenário. Era como estar numa pequena casa de show norte-americana, vendo a estréia de uma futura (quem sabe?) grande banda do rock. Exatos cinco dias depois, o clima era outro. Um público mais velho e menos afeito às tendências da moda, assitiu ao rock adulto do The National (foto). Plenamente cientes da qualidade da sua música, os americanos fizeram um show maduro, carregando na bagagem os bem mais pesados (e complexos) cinco discos. E não se engane: não é rock cabeça ou chato. É rock direto, sem firulas, com alguma melancolia e instrumentistas da melhor qualidade, que nem por isso exageram nos arroubos virtuosos. O público teoricamente mais quadradinho, se entregou de bandeja para a banda, numa troca de energia que dá sentido a qualquer show de rock. Para prosseguir nessa maratona musical, já aguardo ansioso o próximo sábado (09/04). Vem aí U2, junto a luxuosa companhia do Muse. E olhe que ainda estamos em abril...

sábado, 26 de março de 2011

Quem quer dinheiro?



Só quem passou as últimas semanas em Plutão ou vive uma vida completamente offline não ouviu falar da grande confusão em que Maria Bethânia, possivelmente a melhor cantora viva do Brasil, se meteu. Ela pediu autorização do Ministério da Cultura (Minc) para captar R$ 1,3 milhão, via Lei Rouanet, para um blog de vídeos de poesia, gravados pelo cineasta Andrucha Waddington. Com a autorização, sua equipe pode bater na porta das empresas em busca da verba, que sai como isenção fiscal para os patrocinadores. Em última instância, é sim dinheiro público. O burburinho no Twitter, Facebook e outras redes sociais foi imenso. Imagino que a artista de Santo Amaro nem circula pelas redes sociais, mas certamente foi informada por seus assessores de toda a repercussão. Aliás, as grandes divas da música da Bahia não estão indo muito bem com a tecnologia, vide a discussão sem fim que Gal Costa teve com fãs (ou não) pelo Twitter. Ela foi inventar de fazer gozação com a preguiça de seu povo e acabou ouvindo poucas e boas. Porque é aquela história, a gente pode falar mal de nós mesmos, mas somente entre nós. Não pode divulgar por aí para todo mundo ver! Resultado: Gal fechou a conta no Twitter.

Voltando a irmã de Caê, não há como negar que o pedido de Bethânia foi legítimo. Ela utilizou artifícios que estão acessíveis a todos para um projeto. Não burlou a lei, nem se utilizou de brechas duvidosas para conseguir autorização do Minc. Mas, como disse anteriormente, em última instância é dinheiro que deixa de ir aos cofres públicos. Só que se alguém quer reclamar disso, que discuta a lei. Ao que me consta, não foi Bethânia que criou! O projeto, importante dizer, é bem mais que um blog: é um site de vídeos produzidos por um dos principais cineastas brasileiros. É caro? Creio que sim, mas também não poderia ser baratíssimo como alguns alegam. Afirmações bobas como "eu faço um blog de graça" não ajudam em nada na discussão.

O que precisamos analisar é o que tem aí de correto e de justo. Ok, está correto, mas é justo Bethânia dispor de todo esse dinheiro quando artistas menos conhecidos e influentes nada conseguem? Será que Bethânia não conseguiria patrocínios sem precisar recorrer às leis de incentivos fiscais? Muitas empresas fazem isso. Ao que parece, Bethânia está mal assessorada. Ela já foi bastante criticada tempos atrás por usar artifício semelhante. Acabou recuando. Agora, volta e tenta emplacar um projeto ainda mais polêmico. Se quem cuida da imagem dela fosse um pouco mais profissional, ia ver que uma condução desastrosa desse jeito colocaria Bethânia na berlinda. E também constataria que os estragos para a imagem da cantora custam bem mais que esse 1,3 milhão. Hoje em dia, qualquer polêmica vira fagulha na Internet e os nossos grandes artistas ficam a mercê da gozação e execração coletiva. Por sinal, bom esclarecer, adoro Bethânia. Mas nessa aí, ela pisou na bola.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O lamento do fim



Enquanto temos que ficar ouvindo baboseiras sem tamanho sobre a nova banda de Liam Gallagher (who cares?) e histeria só porque o Strokes lancou disco novo, algumas das bandas mais bacanas do planeta encerram as atividades. Primeiro foi a White Stripes, cuja música marcou um bom tempo da minha juventude. Amparada no talento genial de Jack White e trazendo uma baterista que mais fazia charminho que qualquer coisa, o White Stripes só lançou discos bons e fez shows marcantes no Brasil. Só tive oportunidade de ir a um, no Tim Festival de 2003. O consolo é que Jack White ainda está envolvido com dois ótimos projetos, o Racounters e o Dead Weather. Virtuoso e sujo na sua guitarra, já está na hora de Jack voltar ao Brasil. E não será surpreendente se ele montar um terceiro projeto para substituir o White Stripes. Workaholic por natureza, tem criatividade suficiente para administrar três projetos com propostas e sonoridades distintas.

Uma outra grande perda foi o encerramento das atividades do LCD Soundsystem. Anunciada desde que o terceiro disco foi lançado, ainda existia uma ponta de esperança que fosse apenas lorota de seu líder, James Murphy. Esperto, ele termina um projeto na auge da forma, provavelmente pensando em montar uma outra banda. Acaba o LCD sem resquícios de brigas, sem indício de perda de qualidade e com a certeza que deixará saudade em muitos fãs. Com seu rock encharcado de eletrônica, o LCD Soundsystem foi um dos grupos mais criativos dos anos 2000 e liderou um movimento que tem ainda outros expoentes como Hot Chip e Caribou. Para este que vos fala, ficou o privilégio de vê-los pela segunda vez ao vivo (a primeira foi no Skol Beats, em 2006), em São Paulo. Um dos últimos shows da banda, que agora faz uma temporada de despedida em Nova Iorque. Amparado por uma banda da melhor qualidade, James Murphy fez a platéia da Warehouse se balançar por todo o tempo, com uma música vibrante, performance matadora e repertório equilibrado - um greatest hits dos três discos. Com uma cara de nerd que tenta em vão esconder a sua genialidade como músico, James Murphy é a cara da música contemporânea. Só espero que não passe muito tempo nas suas merecidas férias.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A arte de servir bem



Eu já gostava muito de comer em restaurantes, mas a minha mudança para São Paulo só potencializou esse costume. Aqui não tenho a comidinha caseira da mamãe e a oferta é tentadora demais. Mantenho uma lista com dezenas de restaurantes a visitar, na realidade apenas um extrato de todos que queria conhecer. Afinal, é impossível visitarr tudo: primeiro porque é caro, segundo porque toda semana aparecem novidades. Isso fora o fato de que algumas ótimas casas não chegam à fama; só garimpando mesmo para descobrir. Parcimônia nesse caso é ótimo para o bolso e para o peso. Todo cuidado é pouco para não engordar e empobrecer nesse mundo de delícias.

Se aqui em São Paulo eu descobri alguns dos meus restaurantes favoritos, também tive algumas experiências maravilhosas no exterior. No topo da lista está o Peru, país com culinária cheia de personalidade e invariavelmente boa. Tem que pesquisar muito para comer mal em Lima. Portugal, Espanha, New Orleans... Comi bem em todos esses lugares e em muitos outros. Mas foi em um restaurante de Buenos Aires que tive uma das melhores experiências gastronômicas. Situado em um dos bairros mais turísticos da cidade, Puerto Madero, o restaurante Chila é um exemplo de programa completo. Serviço impecável, recheado de gentilezas; ótima comida; ambiente refinado, com bela vista; e preço justíssimo, quando comparado aos valores exagerados praticados em São Paulo. Não à toa, foi escolhido como o melhor restaurante argentino de 2008 e sua chef, Maria Soledad Nardelli, conquistou em 2010 o prêmio "Chef del Futuro", entregue em Paris.

O que faz do Chila um restaurante tão especial? Para começar, parece que você é atendido não por um garçom comum, mas sim por um dos donos da casa. A sensação é que fecharam o restaurante para você e o dono se dispõe a explicar detalhadamente tudo que você quer saber, dando 100% de atenção. A segurança, fluidez e simpatia dos atendentes parecem inspirados em um três estrelas do Michelin (não, nunca fui a um mega estrelado do Michelin, isso é tudo suposição). O tratamento é tão vip que todos os clientes recebem "brindes" especiais da chef. Na minha vez, recebi uma entrada, um espumante gentilmente oferecido para acompanhar as ostras que pedi como aperitivo e uma sobremesa. Isso fora a bandeja com vários chocolates espetaculares que vêm junto com o café. Tudo elaborado com esmero, assim como os pães feitos no próprio restaurante e os pratos muito bem apresentados e deliciosos. Comida contemporânea da melhor qualidade. E melhor: bem servido. Não estou falando de prato de peão, não me entendam mal, mas simplesmente não admito pagar caro e sair com fome. Isso para mim não é elegância, mas sim metidez ao extremo. Comer bem e ficar satisfeito, quer algo melhor? Outro ponto a favor do Chila é que os garçons têm opinião para tudo. Não se metem se não são chamados, mas aconselham os clientes com precisão se indagados. Está em dúvida entre dois pratos? O seu chef particular vai opinar com argumentos diretos, quase técnicos, que você interpreta de acordo com os seus desejos. Feito na medida para parecer exclusivo. Não tenho dúvida que na minha próxima ida a Buenos Aires, o Chila será parada obrigatória!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Casarão de memórias


Morar fora da cidade natal, faz com que a pessoa precise se desgarrar mais das coisas materiais e não deixar a melancolia bater. Sei que isso vale para todos, em maior ou menor intensidade, mas creio que morando longe de casa, soma-se a isso a sensação de impotência. Por todos os anos de minha infância e adolescência, Portão foi a minha referência de refúgio, de casa para curtir a família e de festas inesquecíveis. Sinônimo de lazer, junto com a Praia do Forte (que jé foi motivo de post por aqui). Agora o sítio (antes fazenda) está com os dias contados. Acabando o mês de março, não pertence mais a Família Bala. A quantidade exorbitante de condomínios que surgiram na região tiraram a paz de Portão, local que íamos para descansar ou para celebrar sem correr riscos. Virou cidade, acabou a privacidade e até mesmo a segurança. A modernidade chegou; não houve escolha. Assim vai embora uma das minhas últimas referências palpáveis da infância. Um dos últimos locais onde podia ir e lembrar de situações da minha mais tenra idade. Cada pequeno espaço daquela casa centenária é recordação de um momento. Ali cresci e aprendi a valorizar o que há de mais importante na vida: a família.

Casa agregadora, com nove grandes quartos, próxima de Salvador, Portão era a sede de uma fazenda que eu não conheci. Não há dúvida que marcou todos os Balas, além de muitos dos amigos que ali estiveram. Casa que viu muitos casamentos (de tios queridos, primos e meu irmão), minha formatura, despedidas e boas-vindas dos meus intercâmbios, inúmeros aniversários, festas de São João e uma festa aberta ao público que deixou marca na história de Salvador. Sem exagero. A Festinha em Quadrinhos durou uma década, reuniu até 2 mil pessoas por noite e ainda hoje é lembrada. Para mim, era ainda mais especial, pois lá chegava bem antes da festa oficial começar e só ia embora muitas horas depois, tendo o privilégio de dormir no casarão.

Mas morando em outra cidade, tenho mesmo é que me conformar. Afinal, nas minhas idas a Salvador, o tempo é curto e as idas a Portão se tornaram praticamente impraticáveis. Acabariam se tornando esporádicas, de qualquer modo. Porém seria bom saber que Portão está logo ali, não? Vão restar as lembranças boas. A saudade dos parentes que se foram e que aproveitaram longas temporadas no casarão; os lautos almoços precedidos por intermináveis tira-gostos e sucedidos pela soneca de muitos; os empilhados engradados de cerveja, que marcaram minha entrada no mundo etílico; as dormidas nos quartos das crianças; os longos banhos de piscina; a sala de televisão recheada de conversas e mais alguns cochilos. Fica tudo isso guardado na memória e registrado em inúmeras fotos que certamente verão algumas lágrimas caírem.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A errante Amy


Amy Winehouse passou como um furacão pelo Brasil. Um furacão de grau não tão destruidor na escala Ritcher, pois metade dos escândalos esperados não ocorreu. A garota inglesa fez todos os shows, atrasou pouco e não foi recolhida bêbada na sarjeta. Ávida por um tropeço mais sério da cantora, a imprensa brasileira acompanhou cada passo. No hotel, conseguiu imagens de Amy pagando peitinho, cambaleando na beira da piscina e notícias sobre um suposto quebra-quebra na suíte do Hotel Santa Tereza, além de uma briga com um fã que a importunava há dias na porta do seu retiro (Amy pouco saiu do hotel, sábia decisão para fugir de confusão). Show a show, até o último realizado no sábado passado, os jornalistas dos jornais e sites de notícias brasileiros mais criticaram do que elogiaram a moça. E as manchetes se repetiam: "Amy esqueçe as letras", "Amy cai no chão", "Amy sai do palco e deixa público apreensivo", e por aí vai.

Será que foi tão desastroso assim? Acompanhei a cobertura, em geral, pouco criativa da imprensa e vi vídeos de todos os shows pelo Brasil. Em São Paulo, estive lá, firme e forte, na frente do palco do Summer Soul Festival. Meu veredicto: se não foi genial, Amy Winehouse ainda assim superou minhas expectativas e mostrou que é de fato uma ótima cantora. Não é animada, não traz o dom de comandar um público de 30 mil pessoas e é nitidamente tímida e desajeitada. Mas tem uma linda e original voz, além de boa canções. Cantou por pouco mais de 1 hora e deu espaço para um dos vocalistas de apoio tomar a dianteira em duas músicas, dois assuntos que estavam no cerne de muitas críticas. Só esqueceram de pesquisar um pouco e perceber que os shows dela sempre tiveram esses dois artifícios, ninguém foi enganado. Se alguém queria ver um show de três horas, com pirotecnia e seguidos "I love you Brazil", deveria ter escolhido algum outro artista. Essa não foi - e arrisco, nunca será - uma caracterítica de Amy. Ela entregou o suficiente para uma noite de boa música, completada por duas outras boas atrações internacionais: Mayer Hawthorne e Janelle Monae. A experiência de vê-los ao vivo, é bem verdade, foi prejudicada por alguns fatores. Se fosse num teatro, certamente seria melhor aproveitado; se a produção prestasse, as pessoas não teriam problemas com bebida, estacionamento, telões e comida.

Após todos os problemas que Amy Winehouse teve, colocando em dúvida inclusive se ela ia sobreviver por muito tempo com comportamento tão autodestrutivo, não posso deixar de dizer que fiquei feliz em ver Amy tentando superar seus traumas. Ela já está bem melhor do que esteve e a tendência é que melhore gradativamente. O fato dos brasileiros terem tido a oportunidade de acompanhar a volta de uma artista que é uma das mais admiradas do mundo em primeira mão, é um privilégio. Triste mesmo é ver parte do público agindo como se tivessem num circo. Muitos queriam era vê-la caindo de bêbada, trocando as letras e abandonando o show no meio. Pouco preocupados com a música, observavam mesmo era cada gesto suspeito, vibrando a cada gole - seja lá o que Amy estivesse bebendo. Talvez esse público tenha ficado decepcionado ao vê-la feliz. Bom, da próxima vez, vão alimentar os macacos e deixe o show para quem gosta da boa música.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Prazeres de viajante



Quem lê esse blog com alguma assiduidade ou me conhece de outros Carnavais, sabe que entre as coisas que mais gosto estão a música e o cinema. Não à toa, trabalhei por quatro anos com cultura, entrevistando alguns dos meus ídolos, abrindo a cabeça para coisas diferentes, vendo filme e lendo livros com um olhar mais crítico. Tempos bons, mas que hoje equivalem mais a hobby que labuta. Mas se tem outra coisa que adoro fazer - e esse blog é testemunho disso - é viajar. Seja a trabalho ou a lazer, viajar é uma das coisas mais prazerosas que existem. Conhecer novos lugares, retornar a cidades e países que gostamos. Na minha vida profissional, tive a oportunidade de conhecer países bem diferentes, desde Cuba a Angola, passando pela Líbia, Peru, República Dominicana e muitos outros. Nos dois intercâmbios que fiz - o primeiro nos Estados Unidos e o segundo dividido entre Espanha e Portugal - pude mergulhar nessas culturas e viver como nativo em cidades bem distintas - Saint Joseph (Missouri), Santiago de Compostela e Coimbra. Cresci muito em cada uma dessas experiências e se fosse psicólogo receitaria esse artifício para qualquer crise: viaje, seja sozinho ou acompanhado.

Dentro dessa experiência completa que é viajar, duas questões que muitas vezes são os calcanhares de Aquiles de quem não gosta tanto de viajar, estão entre as minhas favoritas: avião e hotel. Adoro voar, me sinto completamente à vontade dentro de uma aeronave. Com ou sem turbulência (claro, das mais leves), aproveito o tempo teoricamente ocioso para fazer algumas das coisas que mais gosto: ler um bom livro, adiantar a pilha de revistas, ver um filme, escutar música e até mesmo dormir. Agradeço por não ter qualquer medo de avião, afinal viajar se tornou uma rotina no meu trabalho. Se tem uma parte ruim nessa história toda é aeroporto. Não é prazer chegar muito tempo antes, pegar longas filas, trocas de portão e atrasos. Pelo menos no Brasil, essa é a tônica.

Já o hotel é apontado como culpado por muitas pessoas que não gostam de dormir em lugares novos e que culpam a impessoalidade de um quarto pelo desprazer de visitar outras regiões. Para mim é justamente o contrário. Dormir em lugares diferentes pode trazer novas sensações e, como eu durmo bem em qualquer canto, uma noite em hotel pode ser bem prazerosa. Podem me chamar de louco, mas adoro a sensação de abrir a porta de um hotel e conhecer um novo quarto. Mexer em cada canto e descobrir pequenas bobagens que não agregam tanto a estadia, mas, bem, são novidades. Por isso, quando posso escolher, o hotel vira sim prioridade. Não acredito na teoria "só vou ao hotel para dormir e tomar banho", até porque dormir com prazer é parte imprescindível numa viagem. E por mais que se passe pouco tempo no hotel, cada minuto agrega positivamente (ou não, afinal nem sempre nos deparamos com a melhor estadia). Quem pode reclamar de uma boa cama, ar condicionado no ponto certo, banheiro confortável e serviço de quarto? Gosto de ser paparicado, ora pois.

Um outro ponto não é exclusivo de viagem, mas agrega bastante em cada uma delas: restaurantes. Um bom almoço ou jantar é também uma experiência completa, inclusive para desbravar uma cultura diferente. Só que em São Paulo isso também entra no meu hall de programas prediletos. Aliás, com a oferta que a Paulicéia oferece, tenho que manter listas e mais listas de restaurantes a visitar. Pena que o Brasil seja um dos países mais caros em termos de bons restaurantes. Por incrível que pareça, jantar em um excelente restaurante europeu sai mais em conta que nos tops de São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente. Sendo assim, em uma viagem, seja para uma praia vizinha, seja para a Argentina, a visita a um bom restaurante tem o seu lugar. Bon appétit e boa viagem!