quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Uma vida marginal


Dentro da farofada que virou a categoria de "Melhor Filme" do Oscar, com dez candidatos ao título, uma pequena pérola independente se destaca. Com atuações de tirar o fôlego, roteiro correto e direção segura para um cinesta praticamente estreante, "Preciosa" é um filme poderoso. A história da garota negra, pobre e obesa, que é maltratada pela mãe e abusada pelo pai, tendo dois filhos frutos deste incesto, tinha tudo para virar um dramalhão daqueles. Mas muito por conta da boa condução do diretor Lee Daniels, que segura um tom um pouco mais seco e encontrou soluções narrativas que dão algum fôlego a trágica vida de Precious, o filme passa longe de um escorregão sentimentalista. Ainda assim, não há como não sentir pena da personagem interpretada com brilho pela novata Gabourey Sidibe. Ela não percebe com precisão o absurdo que é sua vida e acaba levando tudo como parte de sua rotina. E é isso que causa mais comoção em quem assiste ao filme.

Se Gabourey Sidibe dá um show imprimindo verdade à uma Precious jogada à marginalidade, a apresentadora de tevê e atriz Mo´Nique não fica para trás. Como Mary, mãe da protagonista, ela encarna a principal vilã do filme, tratando a filha com violência e desprezo. Amarga e sem um pingo de afeição por qualquer pessoa que esteja ao seu redor, ela não tem chance alguma de sair do mundo asqueroso em que se meteu. Em uma das últimas cenas do filme, ao lado de Precious e da assistende social interpretada pela cantora Mariah Carey, a personagem tenta justificar todos os horreres que cometeu. Só esse momento já valeria o Oscar de atriz coadjuvante que vem sendo dado como certo para Mo´Nique. Por sinal, outra que não faz feio é a própria Mariah Carey. Se como cantora, a garota é um enjôo em pessoa, como atriz ela mostra talento, desprovida de toda a produção que geralmente a rodeia. Fica até difícil reconhecê-la. Do mundo da música, quem aparece também no filme é Lenny Kravitz, num papel pouco importante, mas sem comprometer.

Filme denso e que até passa uma ponta de esperança, "Preciosa" dificilmente levará as estatuetas de melhor filme e melhor diretor do Oscar. Pequeno demais para os padrões da Academia, ele já saiu ganhando pelas merecidas seis indicações ao prêmio. E deverá sair laureado pelo menos com o troféu de atriz coadjuvante. A torcida desse blog, entretanto, é para que o filme saia com pelo menos mais um prêmio: o de melhor atriz para Gabourey Sidibe, a simpática novata que se tornou uma estrela do cinema mesmo estando totalmente fora dos padrões hollywoodianos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A mulata deles


Tenho plena noção do risco que estou correndo. Minha "fama" de roqueiro, meu livre andar pelas ruas do Rio Vermelho baiano e pela Rua Augusta em Sampa, a relativa credibilidade dos tempos em que era jornalista de cultura - tudo isso pode ficar na berlinda, pelo menos para alguns. Mas não há como negar que minha obrigação de (ex-) repórter de Cultura é escrever com sinceridade. No sábado passado, fui ao show de Beyoncé no estádio do Morumbi, em São Paulo. Não criei muita expectativa, coisa que geralmente não consigo fazer. Quanto mais um evento se aproxima, mais ansioso eu costumo ficar. Pois bem, não é que a morenaça americana fez um show de primeira, um verdadeiro espetáculo? Com a segurança de quem hoje é uma das maiores vendedoras de discos do mundo, Beyoncé demonstrou ter completo domínio do público e hipnotizou os presentes. No exato momento em que ela entrou no palco, todos esqueceram que ali estivera a cantora mais famosa do Brasil, Ivete Sangalo. A partir dali, era só Beyonce que importava.

O primeiro impacto do show veio com o telão impressionante cobrindo todo o fundo do palco. De fato merecedor do título de alta-definição, o aparato visual da turnê "I am..." é assustador e traz uma Beyoncé gigantesca para os fãs. Não importa em que ponto do estádio você está, ela vai te dominar. O bom som, alto e límpido (diferentemente do show de Ivete), colaborou ainda mais para a plena fruição do público.

Entendo perfeitamente aqueles que não gostam da música da artista americana, mas não curtir o espetáculo desta noite em questão parecia algo improvável para quem admira os grandes eventos. Bonita, sensual, ótima cantora e excelente dançarina, Beyoncé ainda montou uma banda só de mulheres, instrumentistas de qualidade. Duas baterias e um jogo de percussão colaboraram ainda mais para a potência do espetáculo, que durou cronometradas duas horas. Após todos os sucessos tocados, a simpatia esbanjada, as brincadeiras com a platéia, a emoção que não conseguiu disfarçar frente as mais de 60 mil pessoas, Beyoncé provou que hoje é uma estrela de escala mundial. Só uma pergunta persiste: o que diabos ela viu no rapper bad boy Jay Z?!?!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Detetive repaginado


Que me perdoem os puristas, mas o novo "Sherlock Holmes" é uma das coisas mais bacanas entre os filmes de ação que estrearam nos últimos meses. Longe da naftalina, ele aparece no novo trabalho do diretor Guy Ritchie encarnado pelo sempre ótimo Robert Downey Jr. e na companhia de um esperto Dr. Watson, papel de Jude Law. Com a velocidade e edição recortada que é caractéristica nos filmes anteriores do ex-marido de Madonna, a exemplo de "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes" e "Snatch", "Sherlock Holmes" não tem medo de modernizar o personagem, mantendo algumas caracteríticas que permitem a identificação do personagem clássico, mas inovando em outras tantas. O detetive inglês não impressiona apenas pelos seus atributos intelectuais, aqui ele é ágil, sai na porrada e também leva alguns socos e chutes. Sherlock é um tanto quanto paranóico e dependente de medicações, além de não ter muito talento para manter suas relações pessoais. Ao lado dele, mais que um Robin em versão vitoriana, Dr. Watson é uma grata surpresa, peça fundamental para o sucesso do seu parceiro mais famoso.

Os fãs mais antigos podem até reclamar do fato do filme se aproximar mais da ação do que de um suspense mais intelectual que o personagem também pode inspirar. Mas é inegável que "Sherlock Holmes"é um bom entretenimento, tem roteiro amarradinho, com boa reconstituição de época e atuações acima da média. quem se sobressai é de fato o ator principal Roberto Downey Jr. Depois de visitar o inferno e se manter por um bom tempo no purgatório, o novaiorquinho está de novo por cima da carne seca. Ele surgiu como uma grata revelação do cinema americano, mas durante a década de 90 passou das páginas de cultura para a seção de polícia dos jornais, num martírio entre as clínicas de reabilitação de drogas e as delegacias. Não por acaso, sua carreira foi entrando em decadência, com filmes ruins e atuações apagadas. Já na década de 2000, ele se recuperou e passou a colecionar uma série de atuações destacadas, como em "Zodíaco", "Trovão Tropical", "O Solista" e, principalmente, "Homem de Ferro". Longa vida, pois, ao renovado e talentoso Bob Downey.