terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os filmes da década

Mesmo com muitos gritos pela Internet, bradando que a década não acabou e só se encerra de fato quando findar o ano de 2010, pululam na rede as famigeradas listas de melhores da década. Sempre tive medo de cometer injustiças, mas esse ano vou arriscar. Para mim, o período vai mesmo de 2000 ao final de 2009, vou seguir o senso comum. Do mesmo modo que nunca engoli o início da semana como domingo. Início de semana é segunda-feira, ora bolas. E início de década é número redondo, ponto final.

Bom ressaltar que as três listas que apresentarei aos poucos por aqui não seguem ordem de preferência e sim a simplória ordem alfabética. Desculpem, mas "rankear" ia ser demais para o meu fígado. Outro detalhe: não pretendo dizer que tal filme e tal disco são superiores a outros que deixei de fora. Eles simplesmente me acompanharam de um modo mais próximo nesses dez anos, me tocaram mais. E o que importa é isso, o resto é balela. Até porque não vi metade dos filmes e não conheço todos os bons artistas da música.

Por fim, criei uma regra: não posso repetir o artista (no caso dos discos) ou o diretor (no caso dos filmes), cada um só pode ter um representante, com, no máximo, mais uma menção honrosa. Abaixo, pois, os meus 20 filmes preferidos da decada.

Avatar (2009)



Recém-chegado aos cinemas, o petardo de James Cameron impressiona pela técnica e populariza de vez o 3-D. A história em si é até banal, mas foi construída de tal modo que prende e não nos deixa sentir que se passaram quase três horas de projeção.

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança (2004)



Filme que concedeu respeito a Jim Carrey como ator, "Brilho Eterno..." é uma sensível parceria dos inventivos Michel Gondry e Charlie Kaufman. Com um roteiro repleto de desconstruções e soluções narrativas interessantes, traz Carrey em perfeita harmonia com a sempre boa Kate Winslet.

Cidade de Deus (2002)



Melhor filme brasileiro da década, "Cidade de Deus" apresentou Fernando Meirelles para o mundo e mostrou que no Brasil também se faz filmes ágeis, com ótimos roteiros e preparação de elenco primorosa. A montagem e a fotografia indicadas ao Oscar são inesquecíveis.
** Menção honrosa do mesmo diretor: O Jardineiro Fiel (2005).

Cidade dos Sonhos (2001)



David Lynch é um dos caras mais loucos do cinema mundial e este seu filme é motivo de infindáveis discussões e interpretações. Não segue uma lógica, exige que o espectador preencha os espaços vazios e deixa você preso na poltrona por alguns minutos após a projeção.

Cidade Baixa (2005)



Além de ser o filme que melhor mostrou a Bahia contemporânea para o mundo, "Cidade Baixa" apresenta um triângulo amoroso dos mais inspirados, formado por Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga. Além disso, tem um sotaque no ponto certo e um folclore que foge do estereótipo.

Dançando no Escuro (2000)



Tristíssimo filme de Lars Von Trier, com a cantora Björk dando um show no papel principal. É um musical completamente fora dos padrões e tem algumas das sequências mais agoniantes da década. Esse é para chorar - mesmo.
** Menção Honrosa do mesmo diretor: Dogville (2003).

Fale com Ela (2002)



O universo colorido e exagerado de Almodóvar não poderia ficar de fora. Com diálogos inteligentes e o pertubador enfermeiro interpretado por Javier Cámara no centro da trama, "Fale com Ela" traz ainda a voz de Elis Regina numa belíssima cena e Caetano Veloso em carne e osso.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Volver (2006).

Kill Bill - Vol. 1 e Vol. 2 (2003 e 2004)



Mesmo não trazendo a verborragia de filmes como "Pulp Fiction", a série "Kill Bill" marca pela estética pop e por apresentar Uma Thurman em estado de graça. Se você mergulha de cabeça nesse universo, passa a entender perfeitamente a louca mente de Quentin Tarantino.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Bastardos Inglórios (2009).

Mar Adentro (2004)



O cineasta Alejandro Amenabár conta a história real do galego Ramón Sampredo com uma delicadeza ímpar. Javier Bardem, com esse papel, se colocou entre os maiores atores da atualidade. Um dos filmes mais tristes e belos da década.

Marcas da Violência (2005)



O diretor David Cronenberg sempre entregou filmes que mexem com o público, com imagens fortes e roteiros redondinhos. As ótimas interpretações de Viggo Mortensen, Ed Harris e William Hurt dão um caldo ainda mais saboroso a esta produção.

Menina de Ouro (2004)



Com o triunvirato Clint Eastwood, Hillary Swank e Morgan Freeman não podia sair algo menos que espetacular. Grande obra do melhor cineasta desta década, "Menina de Ouro" emociona na medida certa, fugindo da pieguice.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Gran Torino (2008)

O Cheiro do Ralo (2007)



Com um inspirado Selton Mello no papel principal, o filme de Heitor Dhalia é esquisito, engraçado e faz jus à louca obra de Lourenço Mutarelli. É cult, sem ser chato.

O Labirinto do Fauno (2006)



O mexicano Guillermo del Toro criou uma fábula com imagens espetaculares, mas também amparada em um roteiro consistente. Um filme talvez um pouco dark para as crianças, mas nem um pouco infantil para os adultos.

O Pianista (2002)



Um dos melhores filmes de guerra já feitos, a obra de Roman Polansky é emocionante e traz uma grande interpretação de Adrien Brody, premiado pelo Oscar. Bom ressaltar que não é fácil renovar o olhar sobre um tema tão batido como a 2a Guerra Mundial.

O Senhor dos Anéis - Trilogia (2001, 2002 e 2003)



Uma das melhores trilogias de todos os tempos, a saga dirigida por Peter Jackson conseguiu fazer jus aos ótimos livros de J.R.R. Tolkien. A reprodução deste mundo fantástico, com riqueza de detalhes, agradou aos fãs dos livros e conquistou muitos não-iniciados neste universo.

Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)



Ótimas interpretações, história forte e violência a serviço da narrativa. O filme dos geniais Irmãos Coen surpreende também por não parecer tanto um filme dos Irmãos Coen. Prova de como esses americanos são versáteis.

Pequena Miss Sunshine (2006)



Filme mais fofo da década, "Pequena Miss Sunshine" é daquelas pequenas obras-primas que merecem ser vistas e revistas. O elenco dá um show e o roteiro é sagaz, com diálogos cortantes.

Sangue Negro (2007)



O filme já entraria na lista só pela interpretação hipnotizante de Daniel Day Lewis, mas tem outros méritos como uma trilha sonora pertubadora, uma narrativa épica e boa reconstituição de época.

Três Enterros (2005)



Possivelmente o filme menos conhecido desta lista, "Três Enterros" se destaca pela direção e interpretação de Tommy Lee Jones. Com um humor negro cortante, se ampara no ótimo roteiro de Guillermo Arriaga (o mesmo de "Babel" e "21 Gramas").

Vôo United 93 (2006)



Filme que apresenta de forma quase didática o que aconteceu no vôo que supostamente deveria atingir o Capitólio, no fatídico 11 de setembro de 2001, "Vôo United 93" é tensão pura. Mesmo quando exagera nos termos técnicos, o diretor Paul Greengrass não deixa o espectador tirar os olhos da tela.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A saudade



Não compreendo direito a morte. A ficha demora uma eternidade para cair. Na realidade, não fui acostumado a ela e acabo sendo surpreendido quando chega a hora. Sou de uma família grande que até o ano passado só havia sofrido com mortes naturais, de entes mais velhos. Não são falecimentos menos sofridos e saudosos, mas são simplesmente naturais. Nos últimos seis meses, dois tios meus se foram, o último deles nesta semana. Pessoa doce, padrinho por escolha e membro da família há mais de 30 anos, ele sucumbiu ao mal do século (passado, ainda não resolvido no atual: o câncer). Em pleno dezembro festivo, a ausência de dois familiares só nos deixa com o silêncio. Que estejam bem aonde for. Aqui, ficamos com a saudade.

* Esse texto é dedicado ao saudoso Dindo Humberto

sábado, 5 de dezembro de 2009

Intercambiando experiências


Tive a sorte de fazer dois intercâmbios de um ano cada, nos Estados Unidos e na Europa. Experiências únicas, bem diferentes entre si, que colaboraram muito para meu crescimento e conquista da independência. Se hoje me adapto bem onde quer que eu viva, sem grandes sofrimentos e encucações, é muito por conta do que vivi no exterior. Por esse motivo, sou partidário radical destas experiências no momento em que o jovem está em fase de formação. Seja no final do Ensino Médio (sem direito a medos e receios em relação ao Vestibular), seja no período da universidade - aproveitando convênios que algumas instituições como a Universidade Federal da Bahia (Ufba) têm. Se você é pai e pode oferecer um intercâmbio a seu filho, não seja egoísta, deixe a saudade de lado e incentive-o. E, por favor, não vá visitá-lo no meio do ano, nada pode ser mais desestabilizador. Aprenda, por mais duro que isso seja: você não faz parte do mundo que seu filho irá contruir fora do país. Simples assim.

O meu primeiro intercâmbio, nos Estados Unidos, pelo tradicional AFS, foi excitante pelo ineditismo, engrandecedor nas alegrias e tristezas que vivi e determinante em algumas das decisões que tomei nos anos que se seguiram. Com 17 anos, vivi pela primeira vez numa pequena cidade, Saint Joseph, em Missouri, numa surreal constatação de que todos os habitantes (70 mil) de lá cabem no estádio da Fonte Nova (na época a Fonte ainda existia e abrigava até 100 mil pessoas). Conheci gente de todo o mundo, dei uma de esportista praticando futebol e tênis (bem fraco nas duas modalidades), aprendi inglês e me diverti muito. Sofri um tanto também, com uma mãe americana das mais instáveis, numa relação de amor e ódio que quase me fez mudar de família. Preferi não dar esse passo, mesmo hoje percebendo que talvez teria sido melhor. Quem compensava era o pai americano e todos os tios e primos que me adotaram como parte da vida deles. As lembranças da desequilibrada Deborah Rathburn até hoje me trazem alguns calafrios. Mas todo o resto foi tão bom, que valeu mais do que a pena. E mais: cresci, como cresci...

A minha segunda experiência foi durante a metade final da graduação em Comunicação. Segui com um grupo de amigos da Ufba para Santiago de Compostola, inesquecível cidade espanhola, perto da fronteira com Portugal. Posso dizer que até hoje sinto saudade dos seis meses que passei por lá, uma vida paralela que precisava ter data marcada para acabar. Os estudos, naturalmente, tiveram uma fração de colaboração nessa experiência - especialmente no que tange ao aprendizado da língua espanhola -, mas não posso mentir ao ponto de dizer que essa fração foi grande. Com um curso de Comunicação não tão bom quanto eu esperava, fui deixando a Universidad de Santiago de Compostela um pouco de lado e mergulhei fundo na cultura - e na farra.

Para quem viveu a maior parte da vida em Salvador, cidade onde tudo acaba às 2h da manhã, Santiago de Compostela era um parque de diversões. Sair de casa perto da 1h da manhã, já turbinado de cerveja, e iniciar uma peregrinação por quatro ou cinco bares até 8 da manhã era nada menos que incrível. Como uma cidade universitária e turística, Compostela reunia um turbilhão de gringos, muito deles brasileiros. Curtir uma verdadeira Torre de Babel e me sentir independente (administrando meu dinheiro, cozinhando - simplesmente sendo dono exclusivo do meu nariz) foram coisas que eu não tinha como comprar na esquina mais próxima. Além do mais, Santiago de Compostela é uma cidade belíssima, vibrante e com uma carga histórica notável. Experimente entrar na Plaza del Obradoiro distraído... Foi assim que eu sai de uma pequena ruela e dei de cara com aquela Catedral gigantesca, de tirar o fôlego. Naquele momento - lembro como se fosse hoje - agradeci imensamente por aquele intercâmbio que se iniciava. Vivi a Espanha intensamente, não só Santiago, mas as outras espetaculares cidades que conheci. Não a tôa, considero-a a nação européia que oferece o melhor turismo, em virtude da diferença que há entre uma região e outra, da estrutura que oferece ao turista, das belezas naturais e dos sítios históricos.

O fato é que, ao final de seis meses, a grana já estava ficando curta e as oportunidades de trabalho não surgiam. Os restaurantes e as lojas botavam a culpa no inverno e eu simplesmente não podia esperar o verão das oportunidades chegar. A convite de amigos do Brasil, me mudei para Coimbra, em Portugal. Também milenar, Coimbra não tem metade dos encantos de Santiago de Compostela, mas lá eu vivi outros tantos momentos inesquecíveis. Trabalhei vendendo TV a cabo de porta em porta, fui o "apanha-copos" de uma boate e fiz as vezes de barman num estabelecimento ligado à universidade. Acabei me divertindo muito em cada um desses trabalhos e juntei a grana necessária para me manter mais seis meses na Europa e para passar um desses meses, inteirinho, correndo a Inglaterra, Holanda, Bélgica, França, Itália e Sul da Espanha. Outras tantas farras e amizades especiais foram feitas em terras portuguesas. O sobrado em que morei, mais conhecido como a Casa da Dona Rosa, e o apartamento dos baianos que era nosso quartel-general são lembranças saborosas de um dos melhores anos de minha vida. Vivido no momento certo, como deve ser.