domingo, 26 de dezembro de 2010

Um ano de saudade


No dia 31, minha avó materna completa um ano de falecida. Deu um jeito de ir embora justamente no último dia do ano, quando todos os filhos e muitos dos netos estavam em Salvador. Até hoje não sai de minha cabeça uma das cenas mais tristes - porém de uma beleza indescritível - que presenciei: pelo menos uns 30 dos seus descendentes, ao seu redor, ouvindo seu último suspiro. Do jeito que ela queria, em casa, com a família unida. Fechou assim um ano triste em que dois dos seus genros já tinham ido embora.

Se a falta que ela faz é inestimável, não há como negar que viveu os seus 97 anos com intensidade única. Verdadeira matrona, quase uma Corleone de saias, minha avó sempre foi o eixo central de uma grande família - com 10 filhos, quase 30 netos e outro generoso punhado de bisnetos. São muitas as histórias protagonizados por ela, que carregava como marcas registradas a personalidade forte, a dedicação extrema aos seus entes queridos e o poder de hipnotizar todos a sua volta. Com voz forte até seus derradeiros anos, queria saber de tudo e de todos, vibrava com as conquistas e sabia dar as broncas necessárias.

Casou tarde e teve o primeiro filho apenas aos 27 anos, numa época em que com essa idade ficava-se era para a titia. E era solteira por escolha, costumava dizer que meu avô muito insistiu para que ela casasse. Com os primeiros dois filhos, uma garota e um garoto, deu por encerrada a conta, sem imaginar que outros oito viriam pela frente. O destino fez com que ela aceitasse a posição de líder de uma grande família, o seu verdadeiro dom.

Só uma coisa era capaz de tirar minha avó do sério. Uma história da juventude, que fugiu ao seu controle e era assunto tabu. Ela foi escolhida como a primeira Miss Bahia, em uma eleição que antigamente era feita pelo maior jornal da cidade, sem candidatura prévia. Sem saída, foi praticamente obrigada a aceitar o posto e ainda teve que desfilar em carro aberto no Rio de Janeiro, no concurso de Miss Brasil. A beleza se manteve até os seus últimos dias, assim como a má vontade em falar do assunto.

Guardo na memória felizes encontros de domingo em sua casa, quando os filhos e netos se reuniam para homenageá-la. Dia de muita conversa, comes e bebes, a confusão básica de uma família que sempre soube viver bem. Ao menor atraso de algum dos seus filhos, lá estava ela puxando a orelha. Os eventuais almoços nos dias de semana, com a sopa de massinha, a comida italiana e o sorvete caseiro para encerrar, deixam saudade. E as temporadas no sítio Portão, casarão antigo que muitas festas presenciou e que perdeu muito do sentido com a passagem de minha avó. Entre as muitas cenas em Portão, uma era clássica: ao pedir uma caipiroska para relaxar, tinha a sua bebida favorita intercedida pelas filhas, que pediam para colocarem um pouco menos de álcool. Não se dava por vencida, e devolvia a bebida dizendo: "Essa está muito inocente, façam o favor de me trazer outra!"

Nesse final de ano, minha avó já fez muita falta no Natal, quando seus netos - marmanjos ou não - se reuniam para cantar no clássico coral. Certamente, estava de olho na festa de onde quer que ela esteja. E feliz, por ver a família reunida, como ela sempre quis.

domingo, 5 de dezembro de 2010

"A Rede Social": pode apertar o botão "curtir"!


David Fincher é um dos meus diretores favoritos. "Seven - Os Sete Pecados Capitais", "O Clube da Luta", "Zodíaco", "O Curioso Caso de Benjamin Button"... Todos ótimos filmes que trazem a marca indiscutível do seu diretor. Difícil apontar um filme de Fincher que ao menos não mexa com seu público. O mais recente deles é "A Rede Social", que chegou aos cinemas brasileiros com status de favorito a várias indicações ao Oscar. Tendo a criação e trajetória do Facebook, rede social mais popular do planeta, como mote, o filme poderia ter usado recursos tecnológicos para contar a história. Mas não, preferiu se amparar na história incrível e na força de seus atores. Decisão acertada, pois é o drama humano que vale aqui. Fincher, muito esperto, optou por uma direção mais contida, sem os arroubos (justificados) de seus filmes anteriores. Mostrou que é de fato um ótimo diretor que sabe trabalhar a serviço do resultado final. E também provou que é um eficiente diretor de atores. Aqui, todos estão bem, desde o protagonista até o extenso elenco de apoio. Para completar, fez uso de uma eficiente e nervosa trilha sonora composta por Trent Reznor, homem por trás do rock industrial do Nine Inch Nails.

Se nao fez uso de truques tecnológicos, o filme pega emprestado algo que é essencial na linguagem da Internet: a rapidez dos diálogos, determinantes para o sucesso da história. É preciso concentração para não se perder nos diálogos cortantes, a maior parte deles - naturalmente - com participação do protagonista Mark Zuckenberg, dono do Facebook muito bem representado por Jesse Eisenberg (desde já apontado como escolha certa entre os indicados a melhor ator, no Oscar). Outro que manda muito bem é Andrew Garfield (futuro Homem-Aranha), que faz o brasileiro Eduardo Saverin, co-fundador do Facebook que é passado para traz pelo "amigo". Também rápido nos diálogos, porém um degrau abaixo em qualidade na interpretação, aparece o rosto mais conhecido do elenco: Justin Timberlake. Na pele de Sean Parker, o cara que criou o Napster, ele tem papel primordial na história e é o personagem que mais traços de vilania carrega.

Ao sair do filme, entrei numa discussão sobre se o filme prejudica a imagem do Facebook. Creio que não, pois o site virou um sucesso por conta dos internautas que o abraçaram quase que instantaneamente, espalhando-o pelo mundo. E esses internautas não vão abandonar a rede social só porque ela foi construída por cima de passos imorais. Mas não há como negar que seu fundador sai com a imagem arranhada. Tomando decisões antiéticas e sempre com um rei na barriga, Mark pode não ser um vilão clássico, mas passa longe de ser o herói que poderia. Criador da mais bacana rede social que existe e bilionário mais jovem do mundo, ele mostra ser um fraco nos princípios mais básicos. Além de antiético, é vingativo, seco e desleal. Algumas das suas escolhas mais duvidosas poderiam ser justificadas pelos maus-bocados que sempre passou. Ok, nem tão maus assim, é bem verdade: ele é apenas um nerd, que mesmo genial, nunca foi completamente aceito e passou longe de ser popular. Um esquizóide que não tem jeito nenhum com as mulheres e tem poucos amigos. Um desses que num cenário mais trágico entra numa High School e mata vários colegas e professores. Mas ele é genial. Então decide canalizar suas frustrações em uma rede social inovadora. Mesmo que para isso tenha que passar por cima de tudo e de todos.

sábado, 20 de novembro de 2010

BBMP!*



Não posso me considerar o mais fanático dos torcedores, até porque no estado onde eu nasci, a concorrência é muito grande. Mas desde que me conheço por gente, acompanho assiduamente a trajetória do Esporte Clube Bahia, meu time do coração. O Esquadrão de Aço, um dos vários apelidos do Bahia, é uma verdadeira novela mexicana. Tudo é drama, sofrido, com eventuais explosões de alegria e algumas decepções. Estamos, ainda bem, em um momento de euforia, pois após sete anos, retornamos à Série A. Nunca na história, a torcida tricolor sofreu tanto: cinco anos de série B e mais dois vergonhosos anos na Série C maltrataram a mais fiel das torcidas brasileiras. Por isso que digo que não sou fanático. Como me comparar com os torcedores que mal ganham um salário mínimo e praticamente deixam de comer para assistir a todos os jogos do Bahia? Não é exagero, vide o exemplo do campeonato de 2007, na Série C, quando o Bahia teve média de público maior que TODOS os outros times, inclusive os da Série A e Série B. Como se não bastasse, esses fãs inseparáveis ainda tiveram que sofrer com a queda de um pedaço da arquibancada da Fonte Nova nesse mesmo ano, que resultou em mortes e no fechamento do estádio. Nada porém que abatesse completamente a torcida, que agora enche o Pituaçu em todas as rodadas. Não cabe espaço para quem quer e todos esperam ansiosamente pela reabertura da Arena Fonte Nova.

Lembro com carinho de alguns momentos incríveis que passei na Fonte Nova. Primeiro, com meu pai - também torcedor fiel - que primeiro me levou ao estádio. Naquela época, ver uma partida do Bahia era um programa familiar, a violência praticamente inexistia. Entre todos os jogos que vi nessa fase, um marcou pelo inusitado e não tanto pela importância do jogo. Foi um 10 a 0 (ou 10 a 1? Já não lembro) contra o Fliuminense de Feira. Na minha inocência de criança, fiquei embasbacado com a performance do time, desconsiderando a fraqueza do adversário. Com o tempo, passei a frequentar a Fonte Nova com os amigos do colégio. Foram diversos jogos memoráveis e muitos outros decepcionantes, no início da derrocada do Bahia. Um dos mais marcantes foi o 4 x 1 em cima do Flamengo, com três belos gols de Jajá. Corria o ano de 2000 e a torcida empolgada e como sempe exagerada, já vislumbrava o Bahia em Tóquio. Outro jogo inesquecível foi a final do Campeonato do Nordeste de 2001, contra o Sport. Os quase 70 mil pagantes viram o Tricolor meter 3 a 1 no rubro-negro pernambucano. A festa da torcida era tão bonita que um amigo do colégio, torcedor do Vitória que resolveu ir ao jogo só pela farra, não desgrudava os olhos da vizinha Bamor, a mais bonita torcida organizada do time. O chão balançava e a torcida não parava de gritar e cantar. Um momento que não sai da minha cabeça até hoje.

Menos tolerante do que os outros torcedores do Bahia, passei a ir bem menos ao estádio após a queda para a Segunda Divisão, em 2003. Menos ainda após o acidente da Fonte Nova, quando o time quase chegou ao fundo do poço. Não deixei de acompanhar os jogos, entretanto, pela televisão, rádio e internet. Desde que vim morar em São Paulo, assisti a um Bahia e Portuguesa no Canindé, reencontrado o Esquadrão de Aço. Impressionante ver a torcida do Bahia ainda maior que a da Portuguesa, jogando na casa do adversário. Afinal, o que não falta é torcedor do tricolor baiano na Paulicéia. E são esses torcedores que prometem compor um grande público no próximo sábado, dia 27/11, no Morumbi. Partida festiva contra o Bragantino, encerrando a boa campanha que coloca o Bahia novamente na elite do futebol brasileiro. Como o baiano gosta, terá direito a show musical, exclusivo para as caravanas de torcidas organizadas e torcedores saudosos que vivem em São Paulo. Festa digna de um campeonato mundial, típica do torcedor fanático que se contenta com uma mínima alegria. Para 2011, resta rezar e torcer para o Bahia enfim entrar nos eixos. A fiel torcida merece.

*BBMP é a sigla da singela expressão "Bora Bahêa Minha Porra", expressão mais baiana impossível, que antes já era usada, mas com a multiplicação das redes sociais, virou febre.

sábado, 6 de novembro de 2010

Uma continuação arrebatadora



Confesso que fiquei um tanto cético quando soube que Tropa de Elite teria uma continuação. Quando um filme já nasce como uma série, geralmente as continuações têm razão de existir. Quando elas são forjadas em cima do sucesso do primeiro filme, a chance de se tornarem bombas é grande. Um dos exemplos mais emblemáticos dos últimos anos foi Matrix, que impressionou na primeira parte e só foi piorando nas duas seguintes. Tropa de Elite veio como um soco no estômago, apresentou um dos personagens mais fortes da cinematografia nacional - o Capitão Nascimento de Wagner Moura - e colocou o país inteiro em debate. A expectativa para a continuação era imensa, portanto. Confiando no discurso coerente do diretor José Padilha, comecei a imaginar que ao menos um filme à altura poderia sair dali. Qual não foi a minha surpresa quando constatei que Tropa de Elite 2 é na realidade superior ao seu antecessor. Corajoso e ousado, é um filme que convida à reflexão e prende do início ao fim.

A primeira sacada de Padilha foi tirar o Bope do centro das atenções. Um filme de pura ação mostrando a atuação dos caveiras seria a solução mais fácil em busca do sucesso, porém a mais preguiçosa também. Não que o Bope não tenha um papel importante nessa sequência, porém ele aparece como parte da narrativa e é desconstruído como apenas mais uma peça do complexo esquema de corrupção que toma conta do Rio de Janeiro. Padilha, entretanto, não é bobo nem nada e fortalece ainda mais o Capitão (agora Coronel) Nascimento. Uma escolha certeira, afinal má coisa não poderia vir do excelente Wagner Moura. Elaborar um Nascimento bem mais maduro, um tanto amargurado e cansado, porém não menos implacável, deu o gás que o filme precisava. Se na primeira parte, ele dividia as atenções com o aspira interpretado por André Ramiro, aqui ele reina com maior destaque. Não deixa de ter alguns antagonistas, o mais complexo deles interpretado pelo ótimo Irhandir Santos. Ele faz o Fraga, militante dos direitos dos presos e que começa a perceber como a engenhoca dos favorecimentos rola no Rio. O interessante é que Fraga não é um vilão, está mais perto de um herói errante, mas sempre se coloca no caminho de Nascimento - na vida profissional e pessoal.

Os grandes vilões dessa segunda parte não são os traficantes do Rio, mas sim as milícias que os substituem em muitas das favelas cariocas. A polícia corrupta e os políticos sem caráter se aproveitam da fragilidades dos que moram nesses rincões desfavorecidos e fazem a festa. Dinheiro fácil rola solto, currais eleitorais são formados e o banditismo muda de lado. Nascimento demora um pouco para perceber como funciona esse esquema, mas quando descobre o bicho pega. E o envolvimento direto de sua família na história o deixa ainda mais louco. Se os bordões da primeira parte não aparecem com vigor nessa continuação (ainda bem), o Tropa 2 deixa como herança uma série de cenas memoráveis como a luta de judô entre Nascimento e o filho, a saraivada de balas que o carro do Coronel recebe logo no início do filme, a surra que ele dá em um dos políticos mais asquerosos da história e um fortíssimo discurso despejado em pleno Congresso Nacional. O público, naturalmente, vem respondendo ao filme com cinemas cheios. Tropa de Elite 2 caminha para se tornar o filme brasileiro mais visto de todos os tempos, alcançando a "Dona Flor e Seus Dois Maridos", que levou 10,2 milhões de pessoas às salas na década de 70. Já é o filme mais visto desde a Retomada, tomando o lugar do apenas engraçadinho "Se Eu Fosse Você 2". Um orgulho e tanto ver o cinema nacional em tão bons lençóis.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fragmentos de outros tempos


Um dia desses uma prima me disse que eu tenho uma alma velha. Não falou no mal sentido, ao contrário, deu um tom carinhoso à questão de que as coisas que mais gosto são de outros tempos que não o atual. Lembrei então que houve um período na minha adolescência que eu me angustiava por um tempo que não tinha vivido. Achava que teria sido melhor viver a flor da idade nos anos 70, chegando próximo dos 30 na década de 80. Obviamente, era só um surto bobo de teenager.

Não tenho a alma tão velha assim, pensando melhor. A questão é que uma parte relevante da minha personalidade é formada por fragmentos de décadas passadas. Ainda assim, eu também sou da era da informática, acho o fenômeno das mídias sociais algo genial e adoro as facilidades da vida moderna. No jornal onde trabalhei até três anos atrás, um amigo me chamava de "menino pop". Ou seja, a depender do ponto de vista, pareço ter nascido na era certa sim. Nesta faceta de alma velha está principalmente o lado musical. As bandas que mais gosto são da década de 60 e 70. E geralmente as bandas mais novas que mais me atraem emulam sons das antigas. Sempre curti cinema antigo e, mesmo que não seja exatamente disciplinado, tenho uma série de clássicos na lista para ver. Os restaurantes, bares e afins que adotam decoração dos anos 50, 60 ou até mesmo 70, me ganham de cara, na chegada. O glamour e a estética pop dessas décadas são incomparáveis. Por fim, não me envergonho de participar dos movimentos nostálgicos que são comuns atualmente. Claro, tudo com bom gosto.

Nesta história toda entra também a questão de que amadureci mais cedo. Não falo com um orgulho bobo, mas como uma constatação da minha maneira de ser. Acho que nunca fui um adolescente frívolo, posso ter até agido como tal, para me encaixar nas galeras, mas nunca quis ser isso. Sempre me irritou - como ainda me irrita - os adolescentes barulhentos, arruaçeiros e que fazem de tudo para chamar atenção. E não achem que eu era o garoto chato da turma, que sentava isolado na sala de aula. Sempre tive muitos amigos, que por vezes me achavam um pouco sério, mas que reconheciam em mim um bom companheiro. Nunca fui o mais popular, porém isso não me deixava mais ou menos feliz. E olhem que eu sempre fui um farrista de marca maior. A vontade de sair todos os dias só era aplacada pela necessidade de guardar dinheiro. Sou rueiro, como dizem por aí. Outro indício desse amadurecimento precoce influenciou diretamente na escolha da minha profissão. Desde muito novo, logo depois de aprender a ler, eu já me interessava por jornais. Estar por dentro de tudo era (e ainda é) uma marca da minha personalidade curiosa.

Sabem do que mais? Talvez essa história de ter uma pitada de nostalgia, carregando traços do passado com o que há de melhor no presente, é o que me faz mais feliz. Velho ou novo, sou o que sou. Cheio de dúvidas, porém seguindo em frente.

domingo, 17 de outubro de 2010

Os altos e baixos do SWU



Trazendo de volta a tradição dos grandes festivais, o SWU reuniu cerca de 150 mil pessoas nos três dias de evento. Participei dos últimos dois, perdendo os bons shows de Mutantes, Mars Volta e Rage Against the Machine. Precisei colocar em prática a difícil arte da escolha, afinal na sexta fui ao excelente show do Rush no Morumbi e nos dias posteriores ao SWU já estavam marcados Cranberries, Natura Us e Green Day. Não dá para querer tudo. Antes de partir para o que interessa - os shows - alguns comentários. Primeiro, mesmo o dono do festival, Eduardo Fischer, insistindo na história de que o SWu era mais que música, envolvia outros temas, no frigir dos ovos, só a música que importou mesmo, o resto foi balela. A segunda questão é que a dita sustentabilidade do festival passou ao largo. De boas intenções o mundo está cheio, mas o SWU pouco se diferenciou de outros eventos: muita energia consumida, muitos carros no estacionamento, estrutura menor do que a necessária para atender um público tão grande e muitas latinhas e garrafinhas espalhados pelo chão. Por fim, dentro do tema da desorganização, o SWU leva uma carta de confiança por ser o ano de estréia, mas precisa organizar o acesso ao evento (estacionamento longe, poeira que não acabava mais e filas homéricas para passar pela revista e entrega de ingressos), precisa disponibilizar maiores stands de comida (o aperto para pegar um simples sanduíche era grande), espalhar mais os banheiros (andar até eles era um sacrifício, por isso muitos faziam no primeiro matinho que encontravam) e repensar a idéia do camping (eu não fui lá, mas as histórias de sujeira, dificuldade de banho, escassez de comida e de água assustavam). Entretanto, nem tudo foi problema. O equilibrado line-up foi a primeira sacada do evento, seguido pelos palcos idênticos que se alternavam em intervalos curtíssimos de até oito minutos, pelos bons palcos alternativos (Oi Novo Som e Tenda Heineken) e pelo pouco transtorno para quem estava chegando de carro - e quase não pegou os temidos congestionamentos.

Enfim, problemas que podem ser resolvidos, originando um festival ainda melhor em 2011. Mas vamos à música. No (meu) primeiro dia do evento, as expectativas estavam todas voltadas para o Kings of Leon. Uma das minhas bandas favoritas dos anos 2000, prometiam fechar a noite em grande estilo. Antes deles, atrações mais sossegadas, no dia de fato mais tranquilo do SWU. A primeira que vi foi Regina Spektor. A russa - que reclamou do frio de 10 graus e da sensação térmica ainda menor - fez um bom show, prejudicado em parte pelo tamanho do festival. Com uma sonoridade intimista, grande talento no piano e voz original, Regina Spektor fez o possível, mas a verdade é que passou um pouco desapercebida. Ficou claro que o show dela em um lugar fechado e menor ia ser arrasador. Em seguida, Joss Stone trouxe uma ótima banda e teve o público nas mãos. Bem bonita e simpática, a garota investiu no vozeirão e fez a festa dos fãs. Admiro o trabalho da cantora inglesa, mas não me considero um fã de fato, então curti o show com alguma curiosidade. Hora do Dave Matthews Band, preterido em prol de uma voltinha pela fazenda Maeda. Já vi o americano no Rock in Rio 3 e não sou lá grande fã de sua música. Mas ao retornar, ainda peguei três músicas, culminando com um cover de "All Along the Watchtower". Um leve arrependimento surgiu, pois a azeitada banda dá um upgrade danado ao insosso Dave Matthews. Nesse pequeno intervalo que tirei dos palcos principais, conferi o excelente DJ Roger Sanchez. na tenda Heineken pegando fogo. Era a hora então do Kings of Leon. Curti o show? Curti. Adorei? Longe disso. Ao vivo, a banda se mostrou um tanto quanto preguiçosa e fez um show apenas correto. O palco, com grandes holofotes ao fundo e um telão que movia de acordo com as luzes, deu um clima bacana, mas o pouco empenho dos reis de Leon e o som baixo tirou um pouco do impacto. Apenas bom.

E assim chega o dia 11, último dia do evento e o mais esperado. É bem verdade que fui mesmo ver Queens of the Stone Age e Pixies, o restante era apenas complemento. Na confusão da entrada, acabei perdendo o Yo La Tengo, já chegando no início de Cavalera Conspiracy. Já vi dois bons shows do Sepultura, mas dessa vez preferi acompanhar apenas de longe. Para os fãs, deve ter sido ótimo ver Max e Iggor Cavalera juntos. Para mim, indiferente. Ao final, ao invés de ver o engodo Avenged Sevenfold, fui conferir a performance do mesmo Iggor cavalera e esposa no duo Mixhell. Música eletrônica com alguns momentos de bateria live. Certamente um dos momentos mais interessantes da Tenda Heineken. Antecedido por um show ok do Incubus, o Queens of The Stone Age subiu ao palco com quase 1 hora de atraso. Primeira falha da impecável alternância de palcos, provocada por problemas no som. Quando Josh Homme e cia subiram no palco, todo o atraso pareceu insignificante. Porrada sucedida de porrada, o QOTSA fez o melhor show do SWU. Som no talo, repertório com os melhores hits e performance matadora dos instrumentistas - com destaque para o assustador baterista. Um excelente show, que infelizmente durou pouco mais de uma hora. Dando sequência a melhor dobradinha dos últimos tempos, o Pixies teve a difícil tarefa de superar o QOTSA. Um pouco menos empolgados que em Curitiba, seis anos atrás, Frank Black, Kim Deal, Joey Santiago e David Lovering tocaram praticamente todo o "Dollitle", salpicando sucessos dos outros discos. No bis, um final digno de nota, com "Where's My Mind" e "Gigantic". Um ótimo show, porém não espetacular como prometia. Na memória, perde para o ineditismo e empolgação do anterior Curitiba Pop Festival. Depois desta dobradinha, restava apenas o cansaço forte, que provocou uma saída prematura do festival. Não foi desta vez que Linkin Park e Tiesto entraram no meu currículo. Algo me dizia quer era melhor guardar na mente a dobradinha inesquecível do Queens of The Stone Age e Pixies... Creio que eu estava certo.

domingo, 3 de outubro de 2010

Mais uma rodada do Pixies


Quando o Pixies subiu ao palco da belíssima Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, parecia a realização de um sonho. Corria o ano de 2004 e poucos meses tinham passado desde que o grupo liderado por Frank Black retornou à ativa de forma surpreendente. Mais impressionante foi a vinda a jato para Brasil, para a improvável Curitiba. Numa noite fria, porém com céu limpo, vi uma das bandas mais interessantes do mundo, com uma empolgação indescritível. O som cru, que praticamente criou as bases do indie rock, as letras fortes (que tratam de assuntos como incesto e mutilação com naturalidade notável) e a simbiose do jeito rude de Black com a delicadeza da baixista Kim Deal colocaram o Pixies na lista dos grupos mais influentes do rock. E ali eles mostraram que estavam de volta com toda a força.

Explico essa minha animação: as duas bandas que mais admirava na música (e que permanecem até hoje como favoritas) já não existiam quando meu interesse floresceu. Em primeiro lugar, o Led Zeppelin, que acabou em 1980, quando morreu o baterista John Bonham. Cético que fico com uma volta, já ensaiada algumas vezes com o filho de Bonham (Jason), nas baquetas, eu ficaria satisfeito em ver Robert Plant e Jimmy Page juntos. Mas essa turnê, que passou pelo Brasil em 1996, provavelmente não ocorrerá novamente.

Portanto, quando Frank Black e Kim Deal colocaram um ponto final na briga e convocaram o guitarrista Joey Santiago e o baterista David Lovering para a reuniao do Pixies, meus olhos não acreditavam no que estava acontecendo. Eu poderia testemunhar a minha segunda banda favorita, a medalha de prata, o Pixies ao vivo no Brasil. Com envergonhadas lágrimas nos olhos, conferi um repertório perfeito, distribuído em uma hora e meia de apresentação. O Pixies praticamente vomitou 29 canções, sem grandes intervalos e conversas com a platéia, num exemplo de show intenso e impactante. Clássicos como "Hey", "Where's My Mind", "Here Comes Your Man" e "Monkey is Gone to Heaven" marcaram presença.

Não é com menos expectativa que aguardo o segundo show do Pixies no país, no dia 11 de outubro, no festival SWU. Em cenário que também promete beleza natural, na Fazenda Maeda da interiorana Itu (SP), o Pixies traz o show do disco "Doolitle", maior sucesso e (na minha opinião) melhor disco deles. Será uma apresentação de apenas 1 hora, por conta do formato do SWU, mas sucedido por uma apresentação do espetacular Queens of The Stone Age. Desde já promessa da melhor dobradinha que vi na minha história musical. Aguardemos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dez anos depois


Vem aí o Rock in Rio 4, com edição prometida para setembro de 2011, em uma nova Cidade do Rock. Chega dez anos depois da terceira versão do festival, que trouxe bons nomes para o Brasil no verão de 2001. Desde então, o festival criado por Roberto Medina passou por Lisboa e Madri, deixando seu país natal de lado. O dinheiro é do empresário, claro, e ele investe como quer, mas utilizar o nome "Rock in Rio" no exterior sempre me pareceu no mínimo esquizofrênico. Agora, pegando carona na moda Brasil, com Copa do Mundo e Olimpíadas chegando, ele resolve reviver o festival na cidade que lhe deu fama. Mas será que ainda precisamos do Rock in Rio?

Bom, a enxurrada de shows internacionais este ano é uma amostra de que o Rock in Rio não é mais essencial como antes. Se em 2001, Brasil ainda não era destino certo para muitos artistas, em 2010, a história é outra. Além dos festivais - como SWU, Planeta Terra, Natura About Us - diversos artistas vieram para shows solo, transformando a dúvida cruel de "quando será que eles vêm?" para "será que terei dinheiro para ver tantos shows?".

Não há como negar, entretanto, que o Rock in Rio apresentou alguns dos shows antológicos da nossa história, como Queen e AC/DC na primeira edição de 1985, Guns N´Roses e Prince na segunda de 1991, e Neil Young e R.E.M em 2001. Nesta derradeira edição, o Rock in Rio 3, eu estava presente e lembro como se fosse hoje da emoção de participar de uma festa daquela extensão, com 250 mil pessoas juntas pela música. Até hoje me impressiono com o tamanho daquele Rock in Rio, ainda mais quando comparo com o tamanho dos eventos hoje. Fui a cinco dos sete dias, ficando de fora apenas do dia teen (Britney Spears e cia) e da abertura pouco atraente (Sting, James Taylor etc). A organização do evento (que foi o meu primeiro de grande porte) e os bons shows de Foo Figthers, Oasis, Silverchair, Guns N´Roses Iron Maiden, além dos citados R.E.M. e Neil Young, me marcaram e fizeram minha paixão pela música aumentar. É claro que houve também decepções, como o morno show de Red Hot Chili Peppers, mas no geral o resultado foi bem positivo.

Espera-se que o novo Rock in Rio faça valer essa história anterior de sucesso. Que coloque no palco velhas cobras do rock com revelações e que espalhe nomes consagrados em todos os seus dias. O receio é que a organização se perca nas escolhas, como ocorreu em algumas das edições européias do festival, misturando alhos e bugalhos. Levando em consideração os anúncios recentes - dois dias para pop, uma dia para o reggae e mais uma volta do Guns N´Roses - os riscos são grandes. Afinal, por que diabos um festival que carrega rock no nome vai dedicar um dia completo ao reggae? Decisão esquisita, mas não surpreendente frente ao já citado uso do "in Rio" para um evento realizado em Portugal e na Espanha...

sábado, 7 de agosto de 2010

No mundo dos sonhos


Quem nunca mergulhou num sonho e teve a nítida impressão que tudo aquilo é real? Por que lembramos de alguns sonhos nos mínimos detalhes e outros passam desapercebidos? É bem verdade que algumas pessoas têm a capacidade de lembrar de até três sonhos por noite e eu os invejo tremendamente. Já pensei, inclusive, em deixar um bloquinho ao lado da cama, quem sabe não tenho um sonho genial, um mote para um romance policial, por exemplo? Dizem que se não anotamos imediatamente, as lembranças escapam gradativamente. Ainda assim, todo mundo tem um sonho que nunca sai da cabeça, por que este é assim tão especial?

Um universo tão rico como esse já inspirou um grande número de filmes, o mais recente deles "A Origem", do sempre competente Cristopher Nolan. Depois de dirigir com precisão os dois filmes mais recentes de Batman, Nolan embarcou numa proposta ousada que vem dando o que falar. Com um excelente elenco formado por Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Ellen Page, Cillian Murphy e Michael Caine, "A Origem" é um daqueles filmes que lhe deixa grudado na cadeira e cuja longa duração (2h30) nao é nem percebida.

No filme, DiCaprio faz um ladrão pouco convencional, que entra nos sonhos dos outros para roubar fortunas. Ele trabalha numa empresa pouco ética e durante um dos seus trabalhos, acaba topando com um desafio diferente: ele precisa fazer uma inserção (inception, do mais adequado título original), ou seja, plantar uma idéia na cabeça do herdeiro de uma grande fortuna.

Daí em diante, o filme, que é recheado de belas imagens, vai revelando muitos dos seus segredos e entra num ritmo frenético. Ainda que pareça surrupiar algumas idéias do revolucionario "Matrix" e não trate o sonho como uma esquisitice aos moldes do genial David Lynch, Nolan consegue um resultado excepcional. "A Origem" é um daqueles filmes que ficam na cabeça e que merece ser visto e revisto.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A abominável Pista VIP



Isso só pode ser idéia de algum capitalista elitista... Inventaram um troço chamado Pista VIP, que até pouco tempo atrás só dava as caras em alguns eventos específicos, mas agora resolveu se espalhar por praticamente todos os shows. Não importa, seja numa casa relativamente pequena como a Via Funchal, seja num espaço maior como o Morumbi, sempre há um naco de chão para os mais abastados. Com o absurdo que hoje é cobrado por cada show - o que coloca o Brasil no topo entre os países que mais cobram no mundo por uma boa apresentação musical - a tal área VIP custa muita grana, coisa que devemos pagar somente para ver a nossa banda favorita. Pois bem, como a maior parte dos fãs do rock não tem dindin para ficar na frente do palco, eles têm que se contentar em assistir à distância. E nem adianta virar a noite na porta, se seu ingresso for da pista comum, isso só lhe dará alguns poucos metros à frente da ralé. Quer um exemplo? É só olhar a ilustração deste post, que identifica a grande área VIP Premium do SWU, festival que acontece em outubro, em Itu (SP). Absurdo.

Situações como essa leva a cenas vexaminosas. Em muitos shows, é possível enxergar um clarão na frente do palco e um amontoado de gente atrás de uma segregadora grade. Afinal, pelo preço que se paga, nem sempre dá para encher a área do povo importante. Lembro de uma situação um tanto quanto diferente, mas que acabou se tornando exemplar pela atitude do público. Aconteceu em 2004, no Curitiba Pop Festival, evento que trouxe o Pixies pela primeira vez ao Brasil. Na ocasião, o festival estava marcado para a bela Ópera do Arame. A procura de ingressos foi tão grande que os organizadores resolveram mudar para a Pedreira, logo ao lado, com muito mais espaço. Para compensar aqueles que compraram ingresso para um espaço bem mais aconchegante, resolveram dizer que os ingressos da Ópera do Arame davam direito a uma área VIP na frente do palco da Pedreira. Os retardatários que só conseguiram entradas quando o evento aumentou de tamanho, teriam que ficar na pista comum. Isso com todo mundo pagando igual. Bom, logo no primeiro dia, quando tocou o Teenage Funclub, já trataram de derrubar a grade que separava uma pista da outra. Aos gritos de "fim do apartheid" que gritava o cantor de uma banda de punk que não me lembro o nome, o público tirou aquela divisão sem sentido do caminho. Não houve qualquer resistência.

O que ocorreu em Curitiba provavelmente não se repetirá em nenhum dos shows que infestam o segundo semestre no Brasil, afinal quem pagou muito mais não aceitará pacificamente uma invasão da sua área VIP. Resta torcer para que os organizadores escutem as reclamações e acabem com esse artifício pouco democrático. Afinal, a frente do palco é dos fãs mais ardorosos e não dos mais abastados!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O vazio da Copa que se foi



O fim da Copa do Mundo dá um vazio danado. Ainda mais em casos graves como o meu, que torço para o Bahia e não vejo cheiro de título há anos. Ver meu time do coração passando por percalços na Segunda Divisão é demais para um amante do bom futebol. Então quando acaba essa maratona de grandes jogos em um curto mês, os quatro anos de espera para a batalha seguinte parecem eternos. Uns vão dizer que em dois anos já tem Olimpíadas, mas não tem jeito, não dá para comparar.

Copa do Mundo é uma das festas mais bonitas e absorventes que existem, difícil não mergulhar com tudo no universo futebolístico. No Brasil então, a coisa fica mais difícil, e até um jogo entre Eslovênia e Argélia reúne curiosos ao redor da tevê. Imagine em 2014, quando o torneio (aparentemente) acontecerá no Brasil. Aliás, esse será um dos motivos para que os tais quatro anos de jejum passem ainda mais devagar. A ansiedade é maior e o Brasil não participará das Eliminatórias, imaginem só que angústia? Até lá, vamos nos cansar de tantas notícias sobre os problemas do Comitê Organizador e teremos que ficar bem atentos à venda de ingressos. O temor de não conseguir ingressos para os jogos do Brasil em 2014 vai perseguir a muitos.

Desta Copa sul-africana que passou fica a decepção com o futebol apático dos comandados de Dunga, que perdeu para um time apenas razoável, a Holanda, e só teve pequenos lampejos de genialidade (especialmente no jogo contra o Chile). Numa Copa em que somente Alemanha e Espanha tiveram vários momentos de fato inspirados, ficou registrado também o paradoxo da Laranja Mecânica. No ano em que a Holanda enfim retornou às finais, depois de dois vices em 1974 e 1978, sua Seleção conseguiu a proeza de cair em desprestígio em todo o mundo. Longe de encantar, ficou marcada pela violência, catimba e pragmatismo. Anos-luz da equipe liderada por Johan Cruyff na década de 70, esse time da Holanda também se mostrou bem inferior àquele da geração de Gullit, Rijkaard e Van Basten, que jogou nos anos 90, mas nada levou. Na África do Sul, a Holanda colocou-se no segundo lugar do pódio, mas sem dar exemplo.

Pois então, já se foram as vuvuzelas e as jabulanis, não adianta lamentar. Agora é torcer para que o Brasil não faça feio, frente ao bom trabalho feito pelos sul-africanos, e aproveite a Copa do Mundo para arrumar essa bagunça em que nós vivemos. O país precisa de infraestrutura e as duas competições esportivas que estão por vir (somando aí as Olimpíadas) são boas desculpas para ajeitar as principais capitais do país. Temos que torcer - com dedos bem cruzados - para que o Comitê Organizador de 2014 preze pelo bom gosto e não transforme tudo em um verdadeiro folclore tupiniquim. Nós não precisamos de mais estereótipos...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O encanto catalão



Barcelona tem uma aura especial. É difícil de explicar, mas de todas as cidades da Espanha que conheci, ela é a mais mágica e encantadora. Tive a oportunidade de retornar na semana passada, para uma curta viagem de dois dias e tive uma nova degustação da cidade catalã. A vontade de ficar era grande, mas não há como ficar longe do Brasil nesse clima de Copa do Mundo. Ver Brasil e Portugal em terras estrangeiras não me soava muito bem. Vai que dá azar...

O que mais impressiona em Barcelona é a sua inusitada arquitetura. Para além dos prédios antigos e imponentes que também dominam as suas ruas, sãs as obras únicas, para não dizer bizarras, de Gaudí, que realmente fascinam. A começar pela Sagrada Família, templo católico dos mais misteriosos, ainda inacabado, símbolo gótico de Barcelona. Talvez seja esse equilíbrio do gótico – que tem um bairro que leva seu nome – com a alegria que transborda nas suas ruas, que faz a cidade ser tão especial. A animada e movimentada Rambla, o renovado Porto Olímpico (exemplo vivo de como uma competição esportiva pode beneficiar uma cidade – fica de olho, Rio de Janeiro!), o belíssimo Parc Güell, as coloridas fontes de Montjuïc são alguns dos destaques da cidade. Lá também é a casa de um dos times de futebol mais simpáticos do mundo, o Barcelona, onde muitos brasileiros fizeram (e fazem) história. Entre os grandes destinos turísticos da Europa, Barcelona tem um quê especial por também ser uma cidade costeira, oferecendo uma praia que é bem freqüentada por turistas e moradores.

A comida mediterrânea, com destaque para a inconfundível paella acompanhada pelos bons vinhos espanhóis, completam o prazer de uma viagem a Barcelona. O esquisito catalão, falado nas ruas com alguma frequência é outro charme inconfudível da cidade. E não há o que se preocupar, afinal o cidadão de Barcelona é simpático e responde em espanhol se assim for solicitado. Na posição de cidade mais animada da Espanha - e possivelmente uma das mais animadas do mundo -, Barcelona oferece diversas opções noturnas para os jovens. Mas é uma cidade completa para pessoas das mais diferentes idades, é bom dizer. Se coloca provavelmente como carro-chefe da Espanha que, na minha opinião, é o país europeu com mais opções para o turista. Ok, Londres e Paris são insuperáveis, mas como país, a Espanha oferece uma diversidade ímpar. O sul com Sevilla, Córdoba e Málaga; o norte com Bilbao, San Sebastian e Santander; a região de Madrid com Toledo, Segóvia e Ávila; a Galícia com Santiago de Compostela e La Coruña; Valência nas proximidades de Barcelona, e por aí vai. Cidades e regiões muito distintas dentro de um mesmo país, que é hospitaleiro e culturalmente rico.

sábado, 5 de junho de 2010

Buscas incessantes



Alguns filmes têm o poder de lhe paralisar por alguns minutos pós-projeção. Levam à reflexão e certamente cumprem seu papel de passar uma mensagem. Aconteceu comigo em filmes como "Cidade dos Sonhos", "Dançando no Escuro" e "Central do Brasil" - só para ficar em exemplos bem diversificados. Alguns deles deixam um ponto de interrogação e uma pertubação característica, como é o caso de "Cidade dos Sonhos", não por acaso uma obra de David Lynch; outros batem forte e revoltam, deixando um tremendo vazio, como "Dançando no Escuro", que apresenta uma performance incômoda de uma surpreendente Björk; por fim há aqueles que emocionam, mesmo trazendo uma mensagem simples e de fácil absorção, aqui representado pelo brasileiro "Central da Brasil" e seu choro sincero de uma Fernanda Montenegro estupenda.

Recentemente aconteceu com um filme dos nossos hermanos, "O Segredo dos Seus Olhos", de Juan José Campanella. Se no outro filme do cineasta portenho que vi, "O Filho da Noiva", ele já dava indicações do bom diretor que era, nesse ele vai um passo além. Com o mesmo (e novamente excelente) Ricardo Darín como seu protagonista, Campanella entrega um filme em que olhares, sinais e outros pequenos detalhes fazem a diferença. Tudo salpicado em um interessante roteiro que versa essencialmente sobre a busca, em diversas facetas. A busca obcecada do protagonista Benjamín Espósito (Darín) pelo assassino de uma jovem, casada com o dedicado Ricardo Morales (Pablo Rago), que atravessa anos. Um crime aparentemente solucionado, porém com arestas que se mantém soltas por mais de 20 anos. Mesmo tempo em que outra busca de Benjamín perdura, a do amor por Irene Hastings (Soledad Villamil), sua então chefe quando o crime ocorreu e quando eles eram responsáveis por solucioná-lo. Um amor nítido durante todo o tempo da projeção, mas que não é explicitado por Benjamín em nenhum momento. Duas buscas que consomem a vida de uma pessoa, interligadas e incompletas até praticamente o fim desta obra, certamente merecedora da estatueta de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2010.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma relação de amor e ódio


Os norte-americanos são os reis da eficiência, nisso muitos concordam. Afinal aqueles que popularizaram o sistema do fast-food e os grande espetáculos de entretenimento não precisam provar muito. E eficiencia é sempre bom, não é mesmo? Mesmo se tratando por vezes de enlatados não tão geniais. Entendo perfeitamente aqueles que criticam o american way of life. Eu mesmo sou um desses críticos e posso dar minha opinião sem medo de ser leviano, pois vivi um ano em Missouri, estado mais ou menos no centro dos Estados Unidos. É uma região que abriga o americano típico. Não é o ianque moderninho de New York, o descolado da Califórnia, o latino de Miami ou o executivo eficiente de Chicago e Detroit. Estou falando do americano médio de uma pequena cidade chamada Saint Joseph, com apenas 80 mil habitantes. Aquele que tem um quê de red neck, conhece pouquíssimo para além das fronteiras da sua cidade e pode ser infantil como poucos. Estudei em uma high school e sempre me perguntava de onde saiam os americanos geniais, porque daquela escola certamente não era. Naturalmente, eles não faziam idéia de onde era o Brasil, não conseguiam entender o porquê de se estudar a história de outros países e não ansiavam visitar outro local que não fosse um outro estado norte-americano. Quem sabe no máximo Canadá ou alguma praia no Caribe, isso para os mais informados. Eles pouco entendiam da sua própria história, não à toa, eu e mais outro gringo (alemão) éramos os melhores alunos de Inglês e de História Americana. Believe it or not...

Pois bem, viver um ano neste ambiente foi deveras interessante e divertido. Mesmo que a eventual ignorância de alguns me irritasse, foi lá que aprendi o significado da palavra eficiência. As coisas de fato funcionavam, a qualidade de vida era nítida para praticamente todos e a valorização ao esporte era impressionante. E por mais que muitas coisas da cultura norte-americana me irrite, como o falso moralismo, o culto a personalidades duvidosas e as brincadeiras/farras abobalhadas, não posso negar que algumas das coisas que mais adoro vêm de lá.

A começar pela música. Rock, jazz, blues - todos nasceram lá. É nos Estados Unidos - e na Grã Bretanha, é bom ressaltar - que estão os meeus artistas favoritos. Os mega-concertos e shows em estádio também vieram de lá; e por mais que um show num local pequeno seja excepecional, grandes espetáculos têm lugar reservado entre as minhas preferências. Em seguida, vem o cinema. Por mais que a classificação "filme hollywoodiano" tenha hoje uma conotação não tão boa, ninguém faz filmes como eles. Não sou fã de boa parte dos blockbusters ianques, mas uma nação que nos deu Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, Stanley Kubrick, Woody Allen, Quentin Tarantino, entre dezenas de outros, tem sim o melhor cinema do mundo. Para fechar a trilogia do que há de melhor nos States, volto ao já citado fast food. Ok, não faz bem pra saúde e não leva os ingredientes mais refinados. Mas é bom, ah se é. Mc Donald's, Burguer King, Taco Bell's, Wendy's, Hardees'... difícil resistir. Prefiro parar por aqui, mas poderia entrar na seara da tecnologia, computadores, Internet, quadrinhos, basquete... Não tenho porque esconder. Mesmo com um pé atrás, amo muito tudo isso.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Híbridos musicais



Existem determinados estilos musicais que não me agradam tanto. O principal deles é o rap. Respeito, não odeio como odeio o pagode e o funk carioca, mas simplesmente não tenho afinidade com a cultura hip hop. Entretanto, quando misturado com outros estilos, a coisa muda de figura. Os exemplos são os mais diversos, cito rapidamente a mescla com a música latina (os cubanos do Orishas) e com o reggae (Damien Marley, o mais interessante dos filhos de Bob).

No caso da música eletronica, as misturas são ainda mais comuns e bacanas. Vale ressaltar que gosto bem mais da e-music que do rap, mas não posso me considerar um autêntico clubber. Olhando em retrospectiva, porém, vejo que hoje conheço e admiro um número bem maior de DJs e tenho meus clubes favoritos. Coisa que não tinha quando morava em Salvador - onde a cena se concentra em guetos e se espalha por algumas poucas raves e festas temáticas.

Entre os estilos derivados de flertes da música eletronica, o trip hop é um dos mais interessantes, especialmente os expoentes Portishead e Massive Attack. Há outros grandes de primeira linha em estilos diversos, como Groove Armada, Daft Punk, Chemical Brothers e Prodigy - alguns deles bem mais eletrônicos e outros mais chegados ao rock. Das bandas mais recentes, destaco o Rapture e, principalmente, o LCD Soundsystem. Esse último, projeto do genial James Murphy, é o que existe de melhor entre os híbridos "e-music-rock".

Descobri na semana passada, entretanto, que quem melhor equilibra os dois estilos é o veterano Moby. Sempre gostei dele, especialmente quando o americano passou a abraçar o seu lado mais roqueiro. Atualmente, Moby é mais produtor e showman que DJ, vocalista ou instrumentista. No show realizado na ultima sexta-feira para um Credicard Hall lotado, ele deu uma aula de como elaborar um bom espetáculo. Provavelmente, foi o show que mais superou minhas expectativas; duas horas de equilíbrio ideal entre o rock e a e-music.

Dançante até o talo, o repertório trouxe pouquíssimas músicas novas e fez um salutar passeio pelos grandes sucessos da carreira de Moby. Adaptando todos os seus hits para serem executados por uma excelente banda - com destaque para a violinista e o baterista - Moby age como um maestro, alternando os papéis de vocalista, guitarrista e percussionista. Quem também dá um show e tanto é uma jovem cantora jamaicana que o acompanha. Se em turnês recentes, a loira Laura Dawn já se destacava, nesta a nova vocalista dá um banho. Com potência e arroubos vocais notáveis, ela impressiona desde a primeira intervenção. Se em alguns momentos, ela parece roubar a cena, logo lembramos que é Moby quem tem o controle da apresentação. Seguro de si, ele parece melhorar a cada turnê.

sábado, 10 de abril de 2010

Animação para todos



Tenho que respeitar a opinião dos outros, eu sei, mas acho que aqueles que não curtem os filmes de animação são deveras preconceituosos. Não gostar de um específico, ok, mas simplesmente não suportar o gênero me parece má vontade. Longe dos desenhos que víamos no intervalo do Xou da Xuxa, as animações atuais são sofisticadas, trazem histórias por vezes maduras e por outras engraçadas e chegaram num nível técnico impressionante. Na ponta, a Pixar/Disney e a Dreamworks, que se tornaram mestres nesta arte. A qualidade atual e o preconceito que existe por parte de alguns encontra paralelo com o mundo dos quadrinhos. Ainda que nos segmentos dos heróis e dos comic books mais simples que encontramos nas bancas existam coisas bacanas, é no gênero das chamadas graphic novels que se encontram as verdadeiras pérolas. Literatura acompanhada de desenho da maior qualidade.

Voltando às animações, está em cartaz nos cinemas de todo o país o excelente "Como Treinar Seu Dragão", da Dreamworks (mesmo estúdio da série "Shrek" e de "Madagascar"). Trazendo a fantasia que é característica aos filmes do gênero, "Como Treinar Seu Dragão" tem uma dose extra de pimenta, com alguma maldade e até mesmo violência. Tudo dosado para agradar os adultos e não assustar demais as crianças. O herói é um garoto chamado Soluço, que passa longe de ser infalível e não sairá ileso das aventuras na ilha onde mora. A aldeia viking onde o pai de Soluço é o líder maior é frequentemente atacada por dragões e vive praticamente em função deles. Dragões dos mais diversos tipos, que fazem vôos razantes e cospem fogo por todos os lados. A obsessão é tanta que os mais novos (e aptos) passam por rigorosos testes para enfrentar os temidos animais. Não fazer parte do grupo dos caçadores é uma prova de fraqueza. Como é de se imaginar, Soluço não é o exemplo de guerreiro, mas acabará sendo o responsável por uma grande reviravolta. Ele, meio que por acaso, aprenderá a domar os dragões.

As cenas que ilustram essa descoberta estão, sem dúvida, entre as mais divertidas do filme. Mas são os vôos razantes que Soluço empreende em cima do temido dragão Fúria da Noite que representam os mais fantásticos momentos. Com o artifício do 3D, essas passagens ganham ainda mais em emoção. No IMAX de São Paulo, onde vi o filme, o resultado é ainda melhor. Tudo bem que pode se pensar que é mais um filme que embarca na onda da terceira dimensão, mas dá para dizer que essa é a animação que melhor soube utilizar o artifício até hoje. "Como Treinar Seu Dragão" entrega uma quase constatação: se ainda vai demorar um tanto para todos os filmes serem em 3D (até porque é uma técnica que não combina tanto com dramas e romances), vai ser difícil realizar animações que não adotem a tecnologia da moda.

domingo, 4 de abril de 2010

Big Brother Besta



Todo ano é a mesma história. Começam os anúncios de mais uma edição do Big Brother Brasil e eu prometo que não vou assistir. Que vou aproveitar o tempo para ler um livro, uma revista, ver um filme, jogar conversa fora. O mesmo acontece com as novelas das 8 (quer dizer, hoje em dia é novela de depois das 9...). Numa repetição sem graça, acabo cedendo lá pela terceira semana, quando já não aguento mais não participar das discussões cotidianas. Tenho esse problema, odeio ficar por fora. Deve ser coisa de jornalista, no meu caso potencializado. Sou capaz de pagar para ver um filme ruim, mesmo após inúmeros alertas, só para ter minha opinião própria. Por isso, mesmo sabendo que o BBB é um programa vazio, tendo consciência de que grande parte das pessoas lá são infantis e simplesmente não acreditando nos discursos patéticos de Pedro Bial, eu assisto. Mas calma: não sou daqueles que não saem de casa antes da dose diária do reality show, ainda bem. Se for o caso, confiro depois o resultado na Internet, sem dramas.

Bom, tudo isso para ressaltar - mais uma vez - que esse foi o último BBB que acompanhei! Também, um programa cujo diretor afirma que escolheu os piores candidatos para compor o elenco, só poderia ter como vencedor o pior de todos: o tal Marcelo Dourado. O ex-BBB conseguiu se impor à pretensa diversidade da casa e derrubou pelo menos dois dos gays sem qualquer esforço. Eliminou a patricinha, a alternativa, o fortão, o mauricinho, um por um. Dono de polêmicas declarações sobre AIDS, opção sexual, direito das mulheres, Dourado foi um verdadeiro desserviço à sociedade. Não bastasse as abobrinhas preconceituosas que soltava, o cara ainda era um porco de marca maior. Não há como negar, porém, que o troglodita soube agir como o tal "jogador" que tanto admiram no BBB e acabou conquistando grande parcela de fãs. Um mico para a Globo também, que inventou de colocar ex-participantes na casa. Como mensagem ficou a idéia de que essa edição estava fraca demais (afinal na primeira em que participou, Dourado nem na final chegou) ou que o fato de ele já conhecer a mecânica do jogo o ajudou - e muito.

Também entre os cinco finalistas, estava a tal da Lia, uma das participantes mais dissimuladas que já passaram pelo programa. Além de tudo, era uma verdadeira mala sem alça, colecionadora de intrigas e chorona de marca maior. Uma coisa é certa: a Globo ganhou uma atriz para a sua novelinha Malhação. Fingimento é com ela mesmo. Se bem que ela tem mais a pegada de novela da Band ou de alguma mexicana. Tem gente que gosta, não tem jeito, caso contrário Lia não teria enganado meio Brasil em vários paredões.

Quem deveria ganhar? Difícil dizer, mas o que tenho certeza é que entre os últimos da minha lista estariam Lia e Dourado. No grupo dos favoritos do público, os dois gays se mostraram fracos em levantar discussões interessantes e serviram mais como entretenimento. Boas risadas eles renderam, é bem verdade, mas não mais que isso. Fernanda, que começou o jogo muito mal, mudou de atitude e teve o seu auge nas últimas semanas. Poderia ter ganhado como recompensa pelas lideranças que conquistou com muita garra e por ter falado menos bobagem que os outros. Mas ainda assim foi pouco. Já Cadu era bonzinho demais, mas acabou se juntando com a corja de Dourado de Lia. Ou seja, por mais que esse passo tenha permitido que ele pegasse emprestada a popularidade da dupla, chegando à final, o meu voto ele não teria nunca. No frigir dos ovos, ninguém merecia 1,5 milhão de reais. Melhor seria acumular como na Mega Sena, esperando que na próxima edição algum merecedor de fato surgisse. Ah, mas deixa para lá, afinal eu prometi que a próxima edição eu não vejo mesmo...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Um thriller sueco


Ser jornalista e trabalhar com vários outros da mesma classe permite um intercâmbio de dicas de todo o tipo, especialmente as culturais (no meu caso). Lógico, existem pessoas das mais diversas formações que são interessantes fornecedoras, mas os jornalistas têm necessidade latente de indicar objetos culturais. Essa é uma das coisas que mais sinto falta dos tempos da redação de jornal. Por trabalhar em um caderno de cultura, alimentava essa minha ânsia em descobrir coisas novas com grandes jornalistas da área. Músicas, filmes, livros e quadrinhos aos borbotões. No meu novo trabalho, porém, fui surpreendido com outras cabeças pensantes e o troca-troca de dicas culturais não foi tão prejudicado. Adoro apresentar coisas novas para quem de fato se interessa e tenho imenso prazer em receber indicações de quem confio.

Uma das mais recentes foi a série Millenium, do sueco Stieg Larsson. Mesmo carregando a pecha de best-seller, o que acende o radar da desconfiança, a trilogia foge de soluções fáceis e oferece um emaranhado que mistura jornalismo, crime, suspense e mundo financeiro. Comprei a caixa completa, mas até o momento só li "Os Homens que Não Amavam as Mulheres", o primeiro deles. Na realidade, devorei. As mais de 522 páginas foram consumidas em apenas quatro dias, muito por conta de uma longa viagem de avião - momento ideal para ler um bom livro. Com um personagem principal fortíssimo, o atormentado jornalista Mikael Blomkvist, e uma figura feminina das mais inusitadas, a esquisita investigadora e hacker Lisbeth Salander, "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" tem ritmo vertiginoso e vários personagens complexos e misteriosos.

Ambientado na Suécia do autor Stieg Larsson, a obra aproveita com precisão o clima frio e o bucolismo do interior escandinavo para criar um clima noir bem propício ao thriller. Condenado a prisão por suposta difamação a um marajá sueco - difamação esta realizada por meio de sua revista investigativa Millenium - Blomkvist é contratado por outro grande empresário para resolver um enigma. Ele deve descobrir o que aconteceu com a desaparecida Harriet Vanger, sobrinha do seu novo patrão Henrik. Para disfarçar o trabalho aparentemente absurdo (40 anos se passaram), ele deve escrever a biografia da endiabrada família Vanger. Partindo de mala e cuia para a inóspita ilha onde os Vanger vivem, Blomkvist vai passar pelas mais bizarras situações. Um livro forte, daqueles que prendem a atenção e nos deixam com um gosto de quero mais. Bom, terei esse gostinho com os outros dois livros da série, mas, infelizmente, não passará disso, pois o autor morreu logo depois de completar a trilogia. Ironicamente, sem recolher os louros de sua famosa obra.

* Em tempo: "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" ganhou uma versão para o cinema, na sua terra natal. A indústria de Hollywood, entretanto, já prometeu lançar a versão deles.

sábado, 20 de março de 2010

Invasão internacional

O Brasil está na moda; o dólar está relativamente baixo; o poder aquisitivo do brasileiro aumentou. Esses e outros argumentos podem ser utilizados para explicar a revoada de shows internacionais que o Brasil vem recebendo desde que 2010 começou. Uma tendência que já era anunciada nos últimos anos, a inclusão do Brasil (e dos seus vizinhos na América do Sul) na rota de alguns dos artistas que hoje importam no mundo da música já é realidade. Desde janeiro, já passaram por essas plagas Coldplay, Metallica, Guns N´Roses, Beyoncé, The Cranberries, B.B. King, Akon, Eagle Eye-Cherry, NOFX, A-Ha, entre outros grupos "menores". É bem verdade que nem todos eles ainda são relevantes, mas há para todos os gostos. Até maio, já existe outra leva de shows com ingressos à venda. Só em abril, são cinco: Moby, Placebo, Megadeth, Korn e Simply Red. Franz Ferdinand e Nelly Furtado tocam ainda em março e Aerosmith aporta por aqui em maio. Desta longa lista, este blog acompanhou Coldplay, Beyoncé e Metallica e também já colocou na agenda Franz Ferdinand, Moby, Placebo e Aerosmith (todos com ingressos garantidos). Se os rumores se confirmarem, mais uma graninha será gasta com Black Eyed Peas e Lady Gaga, cogitados para junho.

Aproveitando o gancho, este autor que vos fala fez um levantamento dos shows internacionais que já viu, desde a estréia em 2001 (em grande estilo, comparecendo a cinco dos sete dias do Rock in Rio 3). Foram 85 shows de 78 bandas gringas diferentes. Num exercício que demandou um pouco de paciência, levantei os 15 melhores que assisti. Vale lembrar que alguns dos que serão citados aqui não estão entre meus artistas favoritos, mas me surpreenderam ao vivo. E bandas que eu admiro nem sempre atendem as expectativas, muitas vezes por conta das condições do show. Foi o caso, por exemplo, do Red Hot Chilli Peppers (apresentação morna, no final da turnê, em 2001), Queens of The Stone Age (também no Rock in Rio, quando a banda ainda era pouco conhecida), Coldplay (som ridicularmente baixo, no recente show do Morumbi) e a dobradinha Arctic Monkeys e The Killers (prejudicados na caótica edição do Tim Festival de 2007, em São Paulo). Abaixo a lista, em ordem alfabética, pois arrumá-la em ordem de preferência já seria demais para mim...

Beyoncé - Morumbi/São Paulo - 2010



Essa história de colocar em ordem alfabética, tem também suas armadilhas. Beyoncé está longe do topo entre meus artistas favoritos, mas calhou de ser a primeira a aparecer por aqui. Mesmo com essa ressalva, devo confessar que a popstar americana me arrebatou com um verdadeiro espetáculo. Longe de ser uma cantora minuciosamente fabricada, Beyoncé canta e dança bem, sabe comandar uma platéia como poucos e se fez acompanhar de uma ótima banda formada só por mulheres. E o telão? Bom, só ele já seria motivo suficiente para colocar este show na lista dos 15 melhores.

The Breeders - Festival Planeta Terra/São Paulo - 2008



Kim Deal, também baixista do Pixies, é a garota mais encantadora do rock mundial. O sorriso dela, potencializado pela presença da irmã Kelley no Breeders, levanta o clima de qualquer ambiente. No Planeta Terra, enquanto o Bloc Party decepcionava em outro palco, as irmãs Deal fizeram um ótimo show. Mesmo não tão longo quanto eu queria, a apresentação trouxe clássicos como "Cannonball", "Divine Hammer" e a matadora versão de "Happyness Is a Warm Gun", dos Beatles.

The Flaming Lips - Festival Claro q é Rock/São Paulo - 2005



Wayne Coyne é um dos caras mais loucos e inventivos do rock. Figuraça, o vocalista do Flaming Lips transformou a Chácara do Jockey em um parque de diversões, colocando várias pessoas vestidas de bicho de pelúcia no palco, utilizando instrumentos pouco convencionais, armando um grande karaokê para o público cantar "Bohemian Rapsody" do Queen e andando por cima dos fãs dentro de uma bolha inflável. Tudo isso sem cair no ridículo. Acreditem, foi genial.

Franz Ferdinand - The Week/São Paulo - 2009



Na próxima terça (23/03), verei um show do Franz Ferdinand pela terceira vez. Provocado pelas ótimas apresentações anteriores, não pude perder mais uma. Em 2006, no Motomix, eles mandaram muito bem, mas foi na The Week, ano passado, que tive uma oportunidade única. Com poucos ingressos vendidos e uma quantidade relativamente pequena de convidados do patrocinador, os escoceses tocaram no esquema de pequeno club. Rara oportunidade no Brasil, ainda mais para bandas internacionais no auge. Energia e entrega a toda prova.

Guns N´Roses - Rock in Rio 3/Rio de Janeiro - 2001



Em 2001, o Guns N´Roses já parecia um dinossauro retalhado, depois de anos de brigas de Axl Rose com os outros integrantes. Em 2010, eles retornaram ao Brasil e, mesmo assim, continuaram enchendo arenas. Ultrapassado ou ainda importante no mundo da música? Não importa, o fato é que quando Axl Rose sobe no palco e despeja os antigos sucessos, não tem como ficar imune. A emoção corria solta em um dos shows mais esperados do terceiro Rock in Rio e, pelo menos naquelas quase duas horas, o Guns N´Roses importava sim.

Interpol - Via Funchal/São Paulo - 2008



O Via Funchal é um dos melhores espaços de show do Brasil, talvez o mais bacana de São Paulo. Nem sempre o show funciona à perfeição, mas na noite em que os novaiorquinos do Interpol tocaram, o som estava límpido como o estilo soturno da banda exige. A potente voz de Paul Banks, o instrumental preciso da banda e o repertório bem escolhido completou o cenário de um show que surpreendeu.

Muse - HSBC Brasil/São Paulo - 2008



Os ingleses do Muse têm uma grandiloqüência que pode soar exagerada para alguns, mas que me conquista há vários discos. Ao vivo, não poderia esperar menos da trupe liderada por Matthew Bellamy, que se alterna com competência entre a guitarra e o piano. Com um show virtuoso e o público em completa catarse, dava para atestar que ao vivo eles estão entre os melhores.

Neil Young - Rock in Rio 3/Rio de Janeiro - 2001



Pouco conhecia Neil Young quando ele me arrebatou em plena Cidade de Rock. Vestido com um surrado jeans e levando na cabeça o clássico chapéu de caubói, esse veterano canadense se fez acompanhar de outras três figuras do mesmo naipe, que atendem pelo nome de Crazy Horse, para um show do mais puro rock and roll. Sem qualquer cenário ou artefato para desviar atenção, os quatro preencheram aquele gigantesco palco somente com o talento a serviço de uma ótima música.

Pixies - Curitiba Pop Festival/Curitiba - 2004



O Pixies perde apenas para o Led Zeppelin entre as minhas bandas favoritas. Vê-los em carne e osso anos após a separação do grupo parecia algo bem próximo do impossível. Mas aconteceu na fria Curitiba, em um show recheado de canções do melhor do indie rock norte-americano. Estampando o mesmo sorriso bobo que os fãs não escondiam na platéia, Black Francis, Kim Deal, Joey Santiago e David Lovering mostraram que não perderam o entrosamento que fizeram deles uma das bandas mais cultuadas do mercado alternativo.

The Police - Maranã/Rio De Janeiro - 2007



Ainda que a estrutura ruim montada para o show deixasse a dever, no palco o the Police fez o que o grande público ali presente queria. Destilou os maiores sucessos dos anos 80 sem muita enrolação, deixando a platéia cantandoem uníssono canções que estão presas no imaginário de quem curte pop e rock. Tudo em clima de nostalgia e senso de oportunidade, afinal um novo retorno do Police é algo improvável.

Radiohead - Just a Fest/São Paulo - 2009



Sempre ouvi que o Radiohead era dono do melhor show do mundo. Depois de muitos anos de boatos, no ano passado pude enfim atestar que o título é mais do que merecido. Com som em volume e clareza impecáveis - coisa rara, ainda mais em ambientes amplos como a Chácara do Jockey -, Thom Yorke e seus parceiros mostraram uma competência notável. Um show emocionante de uma das bandas mais inventivas do mundo; obrigatório para todos que gostam de música.

R.E.M. - Rock in Rio 3/Rio de Janeiro - 2001




Tive sérias dúvidas na escolha entre esse primeiro show no Rock in Rio e a apresentação em 2008, no mais aconchegante Via Funchal. Ambos foram shows equilibrados em qualidade, com a sempre competente perfomance de Michal Stipe e cia. O ineditismo da experiência no Rio e a grandiosidade da Cidade do Rock, bem aproveitada por uma banda experiente, acabaram influenciando na decisão. Mesclando hits inesquecíveis com novas músicas, R.E.M. sempre manda bem.

Sonic Youth - Festival Planeta Terra/São Paulo - 2009



Na primeira vez que assisti ao Sonic Youth, no Claro q é Rock, achei a apresentação fria e longe do virtuosismo que esperava do grupo americano. Eles não deviam estar num bom dia, porque no Planeta Terra do ano passado, a história foi outra. Mesmo com um repertório que praticamente não incluiu as músicas mais conhecidas, o Sonic Youth mostrou como se faz um rock sujo e bem tocado.

System of a Down - Festival Super Bock Super Rock/Lisboa (Portugal) - 2005



Pouco antes do hiato que já vem durando tempo demais, o System of a Down foi um dos headliners do festival promovido pela cervejaria portuguesa Super Bock. Com o volume no talo, a polêmica banda norte-americana fez um showzaço. Ainda mais pesado que nos discos, o grupo liderado por Serj Tankian e Daron Malakian não deu tempo para o público respirar.

The White Stripes - Tim Festival/Rio de Janeiro - 2003



Em cada projeto que se envolve, Jack White dá um show. Mas é justamente no primeiro deles, o White Stripes, que o cantor e guitarrista se sobressai mais. Fazendo o seu trabalho de maneira genial, Jack faz até com que se esqueça como Meg White é ruim na bateria. Tirando solos incríveis do seu instrumento e cantando com alma, Jack White acaba suprindo a necessidade de uma banda completa, tomando conta de todo o palco.

domingo, 7 de março de 2010

Improvável cubana



Adoro viajar de avião. É bem verdade que é um programinha um tanto cansativo, em trajetos longos como a ida a Cuba. Aproveito o tempo teoricamente ocioso para ler um bom livro, adiantar a pilha de revistas que acumulo e tirar o atraso do sono. Não sou do tipo que curto um bate-papo interminável com o desconhecido da poltrona ao lado, prefiro curtir a temporária solidão em paz. Mas, de vez em quando, umas figuras especialmente interessantes desviam minha intenção. Na segunda perna da ida a Havana, no trecho entre a Cidade do Panamá e a capital cubana, sentou-se ao meu lado uma loira entupida de apetrechos dourados, vestida toda de branco (incluindo botas da mesma cor, de cano longo) e segurando uma maleta vermelho sangue - toda decorada com as garotas superpoderosas. Uma figura que não passa desapercebida nem no Carnaval da Bahia. Fiquei imaginando de onde saíra aquela mulher e aproveitei para bisbilhotar enqaunto ela preenchia o cartão da imigração. Não acreditei quando a vi colocando Cuba como país de nascimento. De fato, a imagem das senhoras elegantes e discretas do Buena Vista Social Club influenciaram nessa minha surpresa.

De repente, para completar, a loira começou a cantar baixinho alguma música típica de Cuba, numa afinação surpreendente. Cantava lindamente, mostrando que ali nas veias circulava sim algum sangue caribenho. Nada como algo improvável para quebrar um preconceito descabido. Em busca de alguma interação, ela me perguntou coisas triviais, como se o molho do frango era picante e se a sobremeda era boa. Bom, não estava muito a fim desse bate-papo de elevador, mas ela acabou se mostrando uma ótima narradora do caos que se passava fora da eronave. Logo antes da aterrissagem, uma turbulência que deixou apreensivo até quem não tem medo de avião (como eu), deu um pouco de emoção aos minutos finais do vôo. O branco absoluto na janela, o balanço interminável do avião, tudo culminou no pior pouso que já presenciei. O alívio era tanto que até as irritantes palmas no final fizeram algum sentido. Como saldo final foi, de fato, um trajeto bem interessante, com o brinde da descoberta de que também existem cubanas no estilo Miami Beach, ainda morando na Ilha.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ilha dos símbolos



Existe uma natural curiosidade do estrangeiro em conhecer Cuba, país que há anos sofre um forte embargo dos Estados Unidos e que ficou conhecido no mundo inteiro pelo socialismo implantado pelo ditador Fidel Castro. Seja por sua música, suas bebidas típicas, suas praias, seus charutos ou sua fama de nação que parou na década de 60, Cuba tornou-se um destino desejado. Há muito de mística nisso tudo, mas de fato Havana é uma cidade das mais simpáticas. Apoiando ou não o regime dos irmãos Castro, há muito o que se ver e há muita cultura para admirar nessa pequena ilha do Caribe. É bem verdade que pouco tempo tive para andar nas ruas de Havana Vieja e que não fui às famosas praias de Varadero e Cayo Largo, mas as impressões iniciais não costumam falhar.

Primeira constatação: nunca, sob nenhuma hipótese nas próximas cinco gerações, será possível implantar uma lei antifumo em Cuba, nos moldes da que vem sendo disseminada no Brasil. Instituição nacional e dono de uma fumaça frondosa, o charuto cubano é visto por todas as partes. Logo no aeroporto, ao entrar num minúsculo elevador com outras quatro pessoas, vi um senhor fumava seu "puro" sem qualquer cerimônia. A fumaça, claro, inundava o ambiente. Nas ruas, representantes do mercado negro oferecem caixas de 25 unidades por preços bem mais acessíveis que nas lojas, de marcas famosas como Cohiba, Partagas e Montecristo. Mesmo comprando nos pontos, digamos, oficiais, uma caixa de um bom charuto cubano sai por muito menos que em qualquer lugar fora da ilha.

Nas ruas de Havana, circula outro símbolo: o carrão antigo. Por conta do embargo, grandes automóveis americanos dos anos 50 ainda existem em grande quantidade na cidade - uns em bom estado, outros caindo aos pedaços. Andar em um deles - algo bem possível, afinal muitos são táxis - virou programa turístico. Só é necessário fugir de uma praga, os carros russos da Lada, que sumiram do Brasil, mas ainda infestam Havana. Mas engana-se quem acha que os automóveis antigos reinam sozinhos. Carros modernos japoneses, europeus, latino-americanos, ou seja, quaisquer menos os norte-americanos, já existem aos montes na capital. Em quantidade bem maior do que eu imaginava, devo confessar. A rejeição a produtos americanos, como é de se imaginar, não se restringe aos carros novos, mas também a todos os outros produtos da cadeia de consumo. Inclusive, ao fazer o câmbio, utilize o euro, pois o pouco querido dólar sofre uma taxação maior que as outras moedas. A princípio você pode até achar que a Coca-Cola encontrada nos bares e restaurantes é uma exceção, mas os cubanos justificam que aquela Cola é fabricada no México. Bom, é verdade, mas acho que nessa Fidel falhou, não é mesmo?

Andar em Havana Vieja é de fato uma experiência única. Nos muros, frases como "El sistema socialista es intocable" e ilustrações de ícones como Che Guevara e Simón Bolívar dão o clima apropriado. Construções anteriores ao regime socialista, como o imponente Capitólio, o Castelo de San Salvador de La Punta e belas igrejas, dividem espaço com sobrados caindo aos pedaços. Não há miséria aparente nas ruas, mesmo que a pobreza moderada seja constante, mas sempre há pessoas que buscam um dinheirinho a mais (a famosa propina) para compensar o pouco salário que recebem do governo. Ser brasileiro, nesse caso, é vantagem, pois a admiração deles por nós é nítida e é mais fácil levá-los na simpatia. Infraestrutura é um problema, principalmente quando se fala em grandes obras (que não acontecem há mais de 50 anos) e em novas tecnologias, como a Internet (lentíssima em todo canto).

Entre os programas imperdíveis, não há como deixar de lado o delicioso mojito e o daikiri, drinks que descem redondos feitos de outro clássico cubano, o rum. Se o programa etílico for acompanhado de música típica, como no Bodeguita del Medio - onde Ernest Hemingway tomava os seus porres -, melhor ainda. Afinal, não podemos esquecer que Cuba é a terra do Buena Vista Social Club e de muitos outros grandes músicos, que praticam uma música que transborda em latinidade e emoção.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Uma vida marginal


Dentro da farofada que virou a categoria de "Melhor Filme" do Oscar, com dez candidatos ao título, uma pequena pérola independente se destaca. Com atuações de tirar o fôlego, roteiro correto e direção segura para um cinesta praticamente estreante, "Preciosa" é um filme poderoso. A história da garota negra, pobre e obesa, que é maltratada pela mãe e abusada pelo pai, tendo dois filhos frutos deste incesto, tinha tudo para virar um dramalhão daqueles. Mas muito por conta da boa condução do diretor Lee Daniels, que segura um tom um pouco mais seco e encontrou soluções narrativas que dão algum fôlego a trágica vida de Precious, o filme passa longe de um escorregão sentimentalista. Ainda assim, não há como não sentir pena da personagem interpretada com brilho pela novata Gabourey Sidibe. Ela não percebe com precisão o absurdo que é sua vida e acaba levando tudo como parte de sua rotina. E é isso que causa mais comoção em quem assiste ao filme.

Se Gabourey Sidibe dá um show imprimindo verdade à uma Precious jogada à marginalidade, a apresentadora de tevê e atriz Mo´Nique não fica para trás. Como Mary, mãe da protagonista, ela encarna a principal vilã do filme, tratando a filha com violência e desprezo. Amarga e sem um pingo de afeição por qualquer pessoa que esteja ao seu redor, ela não tem chance alguma de sair do mundo asqueroso em que se meteu. Em uma das últimas cenas do filme, ao lado de Precious e da assistende social interpretada pela cantora Mariah Carey, a personagem tenta justificar todos os horreres que cometeu. Só esse momento já valeria o Oscar de atriz coadjuvante que vem sendo dado como certo para Mo´Nique. Por sinal, outra que não faz feio é a própria Mariah Carey. Se como cantora, a garota é um enjôo em pessoa, como atriz ela mostra talento, desprovida de toda a produção que geralmente a rodeia. Fica até difícil reconhecê-la. Do mundo da música, quem aparece também no filme é Lenny Kravitz, num papel pouco importante, mas sem comprometer.

Filme denso e que até passa uma ponta de esperança, "Preciosa" dificilmente levará as estatuetas de melhor filme e melhor diretor do Oscar. Pequeno demais para os padrões da Academia, ele já saiu ganhando pelas merecidas seis indicações ao prêmio. E deverá sair laureado pelo menos com o troféu de atriz coadjuvante. A torcida desse blog, entretanto, é para que o filme saia com pelo menos mais um prêmio: o de melhor atriz para Gabourey Sidibe, a simpática novata que se tornou uma estrela do cinema mesmo estando totalmente fora dos padrões hollywoodianos.