terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os filmes da década

Mesmo com muitos gritos pela Internet, bradando que a década não acabou e só se encerra de fato quando findar o ano de 2010, pululam na rede as famigeradas listas de melhores da década. Sempre tive medo de cometer injustiças, mas esse ano vou arriscar. Para mim, o período vai mesmo de 2000 ao final de 2009, vou seguir o senso comum. Do mesmo modo que nunca engoli o início da semana como domingo. Início de semana é segunda-feira, ora bolas. E início de década é número redondo, ponto final.

Bom ressaltar que as três listas que apresentarei aos poucos por aqui não seguem ordem de preferência e sim a simplória ordem alfabética. Desculpem, mas "rankear" ia ser demais para o meu fígado. Outro detalhe: não pretendo dizer que tal filme e tal disco são superiores a outros que deixei de fora. Eles simplesmente me acompanharam de um modo mais próximo nesses dez anos, me tocaram mais. E o que importa é isso, o resto é balela. Até porque não vi metade dos filmes e não conheço todos os bons artistas da música.

Por fim, criei uma regra: não posso repetir o artista (no caso dos discos) ou o diretor (no caso dos filmes), cada um só pode ter um representante, com, no máximo, mais uma menção honrosa. Abaixo, pois, os meus 20 filmes preferidos da decada.

Avatar (2009)



Recém-chegado aos cinemas, o petardo de James Cameron impressiona pela técnica e populariza de vez o 3-D. A história em si é até banal, mas foi construída de tal modo que prende e não nos deixa sentir que se passaram quase três horas de projeção.

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança (2004)



Filme que concedeu respeito a Jim Carrey como ator, "Brilho Eterno..." é uma sensível parceria dos inventivos Michel Gondry e Charlie Kaufman. Com um roteiro repleto de desconstruções e soluções narrativas interessantes, traz Carrey em perfeita harmonia com a sempre boa Kate Winslet.

Cidade de Deus (2002)



Melhor filme brasileiro da década, "Cidade de Deus" apresentou Fernando Meirelles para o mundo e mostrou que no Brasil também se faz filmes ágeis, com ótimos roteiros e preparação de elenco primorosa. A montagem e a fotografia indicadas ao Oscar são inesquecíveis.
** Menção honrosa do mesmo diretor: O Jardineiro Fiel (2005).

Cidade dos Sonhos (2001)



David Lynch é um dos caras mais loucos do cinema mundial e este seu filme é motivo de infindáveis discussões e interpretações. Não segue uma lógica, exige que o espectador preencha os espaços vazios e deixa você preso na poltrona por alguns minutos após a projeção.

Cidade Baixa (2005)



Além de ser o filme que melhor mostrou a Bahia contemporânea para o mundo, "Cidade Baixa" apresenta um triângulo amoroso dos mais inspirados, formado por Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga. Além disso, tem um sotaque no ponto certo e um folclore que foge do estereótipo.

Dançando no Escuro (2000)



Tristíssimo filme de Lars Von Trier, com a cantora Björk dando um show no papel principal. É um musical completamente fora dos padrões e tem algumas das sequências mais agoniantes da década. Esse é para chorar - mesmo.
** Menção Honrosa do mesmo diretor: Dogville (2003).

Fale com Ela (2002)



O universo colorido e exagerado de Almodóvar não poderia ficar de fora. Com diálogos inteligentes e o pertubador enfermeiro interpretado por Javier Cámara no centro da trama, "Fale com Ela" traz ainda a voz de Elis Regina numa belíssima cena e Caetano Veloso em carne e osso.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Volver (2006).

Kill Bill - Vol. 1 e Vol. 2 (2003 e 2004)



Mesmo não trazendo a verborragia de filmes como "Pulp Fiction", a série "Kill Bill" marca pela estética pop e por apresentar Uma Thurman em estado de graça. Se você mergulha de cabeça nesse universo, passa a entender perfeitamente a louca mente de Quentin Tarantino.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Bastardos Inglórios (2009).

Mar Adentro (2004)



O cineasta Alejandro Amenabár conta a história real do galego Ramón Sampredo com uma delicadeza ímpar. Javier Bardem, com esse papel, se colocou entre os maiores atores da atualidade. Um dos filmes mais tristes e belos da década.

Marcas da Violência (2005)



O diretor David Cronenberg sempre entregou filmes que mexem com o público, com imagens fortes e roteiros redondinhos. As ótimas interpretações de Viggo Mortensen, Ed Harris e William Hurt dão um caldo ainda mais saboroso a esta produção.

Menina de Ouro (2004)



Com o triunvirato Clint Eastwood, Hillary Swank e Morgan Freeman não podia sair algo menos que espetacular. Grande obra do melhor cineasta desta década, "Menina de Ouro" emociona na medida certa, fugindo da pieguice.
** Menção honrosa do mesmo diretor: Gran Torino (2008)

O Cheiro do Ralo (2007)



Com um inspirado Selton Mello no papel principal, o filme de Heitor Dhalia é esquisito, engraçado e faz jus à louca obra de Lourenço Mutarelli. É cult, sem ser chato.

O Labirinto do Fauno (2006)



O mexicano Guillermo del Toro criou uma fábula com imagens espetaculares, mas também amparada em um roteiro consistente. Um filme talvez um pouco dark para as crianças, mas nem um pouco infantil para os adultos.

O Pianista (2002)



Um dos melhores filmes de guerra já feitos, a obra de Roman Polansky é emocionante e traz uma grande interpretação de Adrien Brody, premiado pelo Oscar. Bom ressaltar que não é fácil renovar o olhar sobre um tema tão batido como a 2a Guerra Mundial.

O Senhor dos Anéis - Trilogia (2001, 2002 e 2003)



Uma das melhores trilogias de todos os tempos, a saga dirigida por Peter Jackson conseguiu fazer jus aos ótimos livros de J.R.R. Tolkien. A reprodução deste mundo fantástico, com riqueza de detalhes, agradou aos fãs dos livros e conquistou muitos não-iniciados neste universo.

Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)



Ótimas interpretações, história forte e violência a serviço da narrativa. O filme dos geniais Irmãos Coen surpreende também por não parecer tanto um filme dos Irmãos Coen. Prova de como esses americanos são versáteis.

Pequena Miss Sunshine (2006)



Filme mais fofo da década, "Pequena Miss Sunshine" é daquelas pequenas obras-primas que merecem ser vistas e revistas. O elenco dá um show e o roteiro é sagaz, com diálogos cortantes.

Sangue Negro (2007)



O filme já entraria na lista só pela interpretação hipnotizante de Daniel Day Lewis, mas tem outros méritos como uma trilha sonora pertubadora, uma narrativa épica e boa reconstituição de época.

Três Enterros (2005)



Possivelmente o filme menos conhecido desta lista, "Três Enterros" se destaca pela direção e interpretação de Tommy Lee Jones. Com um humor negro cortante, se ampara no ótimo roteiro de Guillermo Arriaga (o mesmo de "Babel" e "21 Gramas").

Vôo United 93 (2006)



Filme que apresenta de forma quase didática o que aconteceu no vôo que supostamente deveria atingir o Capitólio, no fatídico 11 de setembro de 2001, "Vôo United 93" é tensão pura. Mesmo quando exagera nos termos técnicos, o diretor Paul Greengrass não deixa o espectador tirar os olhos da tela.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A saudade



Não compreendo direito a morte. A ficha demora uma eternidade para cair. Na realidade, não fui acostumado a ela e acabo sendo surpreendido quando chega a hora. Sou de uma família grande que até o ano passado só havia sofrido com mortes naturais, de entes mais velhos. Não são falecimentos menos sofridos e saudosos, mas são simplesmente naturais. Nos últimos seis meses, dois tios meus se foram, o último deles nesta semana. Pessoa doce, padrinho por escolha e membro da família há mais de 30 anos, ele sucumbiu ao mal do século (passado, ainda não resolvido no atual: o câncer). Em pleno dezembro festivo, a ausência de dois familiares só nos deixa com o silêncio. Que estejam bem aonde for. Aqui, ficamos com a saudade.

* Esse texto é dedicado ao saudoso Dindo Humberto

sábado, 5 de dezembro de 2009

Intercambiando experiências


Tive a sorte de fazer dois intercâmbios de um ano cada, nos Estados Unidos e na Europa. Experiências únicas, bem diferentes entre si, que colaboraram muito para meu crescimento e conquista da independência. Se hoje me adapto bem onde quer que eu viva, sem grandes sofrimentos e encucações, é muito por conta do que vivi no exterior. Por esse motivo, sou partidário radical destas experiências no momento em que o jovem está em fase de formação. Seja no final do Ensino Médio (sem direito a medos e receios em relação ao Vestibular), seja no período da universidade - aproveitando convênios que algumas instituições como a Universidade Federal da Bahia (Ufba) têm. Se você é pai e pode oferecer um intercâmbio a seu filho, não seja egoísta, deixe a saudade de lado e incentive-o. E, por favor, não vá visitá-lo no meio do ano, nada pode ser mais desestabilizador. Aprenda, por mais duro que isso seja: você não faz parte do mundo que seu filho irá contruir fora do país. Simples assim.

O meu primeiro intercâmbio, nos Estados Unidos, pelo tradicional AFS, foi excitante pelo ineditismo, engrandecedor nas alegrias e tristezas que vivi e determinante em algumas das decisões que tomei nos anos que se seguiram. Com 17 anos, vivi pela primeira vez numa pequena cidade, Saint Joseph, em Missouri, numa surreal constatação de que todos os habitantes (70 mil) de lá cabem no estádio da Fonte Nova (na época a Fonte ainda existia e abrigava até 100 mil pessoas). Conheci gente de todo o mundo, dei uma de esportista praticando futebol e tênis (bem fraco nas duas modalidades), aprendi inglês e me diverti muito. Sofri um tanto também, com uma mãe americana das mais instáveis, numa relação de amor e ódio que quase me fez mudar de família. Preferi não dar esse passo, mesmo hoje percebendo que talvez teria sido melhor. Quem compensava era o pai americano e todos os tios e primos que me adotaram como parte da vida deles. As lembranças da desequilibrada Deborah Rathburn até hoje me trazem alguns calafrios. Mas todo o resto foi tão bom, que valeu mais do que a pena. E mais: cresci, como cresci...

A minha segunda experiência foi durante a metade final da graduação em Comunicação. Segui com um grupo de amigos da Ufba para Santiago de Compostola, inesquecível cidade espanhola, perto da fronteira com Portugal. Posso dizer que até hoje sinto saudade dos seis meses que passei por lá, uma vida paralela que precisava ter data marcada para acabar. Os estudos, naturalmente, tiveram uma fração de colaboração nessa experiência - especialmente no que tange ao aprendizado da língua espanhola -, mas não posso mentir ao ponto de dizer que essa fração foi grande. Com um curso de Comunicação não tão bom quanto eu esperava, fui deixando a Universidad de Santiago de Compostela um pouco de lado e mergulhei fundo na cultura - e na farra.

Para quem viveu a maior parte da vida em Salvador, cidade onde tudo acaba às 2h da manhã, Santiago de Compostela era um parque de diversões. Sair de casa perto da 1h da manhã, já turbinado de cerveja, e iniciar uma peregrinação por quatro ou cinco bares até 8 da manhã era nada menos que incrível. Como uma cidade universitária e turística, Compostela reunia um turbilhão de gringos, muito deles brasileiros. Curtir uma verdadeira Torre de Babel e me sentir independente (administrando meu dinheiro, cozinhando - simplesmente sendo dono exclusivo do meu nariz) foram coisas que eu não tinha como comprar na esquina mais próxima. Além do mais, Santiago de Compostela é uma cidade belíssima, vibrante e com uma carga histórica notável. Experimente entrar na Plaza del Obradoiro distraído... Foi assim que eu sai de uma pequena ruela e dei de cara com aquela Catedral gigantesca, de tirar o fôlego. Naquele momento - lembro como se fosse hoje - agradeci imensamente por aquele intercâmbio que se iniciava. Vivi a Espanha intensamente, não só Santiago, mas as outras espetaculares cidades que conheci. Não a tôa, considero-a a nação européia que oferece o melhor turismo, em virtude da diferença que há entre uma região e outra, da estrutura que oferece ao turista, das belezas naturais e dos sítios históricos.

O fato é que, ao final de seis meses, a grana já estava ficando curta e as oportunidades de trabalho não surgiam. Os restaurantes e as lojas botavam a culpa no inverno e eu simplesmente não podia esperar o verão das oportunidades chegar. A convite de amigos do Brasil, me mudei para Coimbra, em Portugal. Também milenar, Coimbra não tem metade dos encantos de Santiago de Compostela, mas lá eu vivi outros tantos momentos inesquecíveis. Trabalhei vendendo TV a cabo de porta em porta, fui o "apanha-copos" de uma boate e fiz as vezes de barman num estabelecimento ligado à universidade. Acabei me divertindo muito em cada um desses trabalhos e juntei a grana necessária para me manter mais seis meses na Europa e para passar um desses meses, inteirinho, correndo a Inglaterra, Holanda, Bélgica, França, Itália e Sul da Espanha. Outras tantas farras e amizades especiais foram feitas em terras portuguesas. O sobrado em que morei, mais conhecido como a Casa da Dona Rosa, e o apartamento dos baianos que era nosso quartel-general são lembranças saborosas de um dos melhores anos de minha vida. Vivido no momento certo, como deve ser.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Um país em evidência


Conhecer a Venezuela no momento em que Hugo Chávez está mais em evidência é no mínimo curioso. Na semana que passei neste país da América do Sul que sempre se afeiçou mais à América Central, mas que ultimamente tem se aproximado do sul, o polêmico presidente venezuelano era notícia por três motivos. O primeiro, que ainda não foi resolvido, era a entrada da Venezuela no Mercosul, questão que vem suscitando intensas discussões no Brasil. O segundo era a ameaça de guerra enviada por Chávez para seu colega colombiano Álvaro Uribe, algo que não deve passar de mera retórica. Por fim, o terceiro motivo era o racionamento de energia, que levou o Comandante a solicitar que os venezuelanos tomassem banhos de no máximo três minutos. Essa declaração, pois, entra com honrarias na folclórica lista de frases de efeito proferida por Chávez. O mais irônico de tudo, porém, foi estar na Venezuela e assistir de longe o apagao que ocorreu no Brasil...

No dia que passei na província de Maracaibo, fronteira (fechada, diga-se de passagem) com a Colômbia, pude sentir uma tensão no ar. Um pouco por causa da ameaça de "guerra", mas muito por conta da insegurança rotineira da região, que sofre com altos índices de assaltos e sequestros. Quando a fronteira estava aberta, era comum a horda de colombianos invandindo os postos de Maracaibo para comprar gasolina barata. Por esse motivo, os postos da região hoje possuem cota diária de abastecimento e contam com filas enormes. Quando me refiro à gasolina barata, devo ressaltar um pouco mais esse ponto: é praticamente de graça. Utilizando como referência o câmbio oficial do dólar (algo como 2,15 bolívares), um tanque cheio de um Suzuki Vitara, por exemplo, pode ser enchido com meros três dólares. Na real (leia câmbio negro), quando um dólar custa cerca de 5 bolívares, dá para sair com o carro entupido de gasolina por cerca de um dólar. Isso mesmo, um! Chorai brasileiros que sofrem com apenas um litro (bem) mais caro que isso. Tabelada e subsidiada pelo governo, a gasolina é motivo de orgulho para o venezuelano, que reprime com revoltas qualquer chance de aumento. Presidentes anteriores tentaram aumentar o preço e o saldo final foram dezenas de mortos em enfrentamento com a polícia. Chávez, que não é bobo nem nada, não mexe nessa questão.

Caracas é uma cidade deveras interessante, com os contrastes típicos das grandes metrópoles latinas. Encravada em uma espécie de depressão, a cidade é rodeada por altas montanhas e morros, que vagamente lembra o Rio de Janeiro. De uma década para cá, boa parte desses morros passou a ser ocupada por imensas favelas, bem menos violentas que as nossas, mas ainda assim impressionantes. No geral, nas regiões mais centrais e movimentadas, Caracas é uma cidade bem cuidada e bonita, com arquitetura interessante e comércio intenso. Dizem, inclusive, que a elite de Caracas só é menos consumista que a brasileira, entre os países da América do Sul. Entretanto, ao entrar um pouco mais na cidade, a sujeira e o caos urbano imperam. O trânsito, naturalmente, é louco. As casas da elite que Chávez não consegue conter, se mantém no alto de alguns morros - aqueles que não são ocupados pelas favelas.

Curioso perceber também que só uma cadeia internacional de hotéis se manteve: a espanhola Meliá. Todas as outras, notadamente as americanas Hilton e Four Seasons, foram expulsas do país. Não há propriedade privada na Venezuela, ao menos a Constituição deles assim explicita. O que há é posse temporária das terras. Tudo é do governo - "terra livre, homem livre". Com esse mote em mãos, Chavéz tem carta branca para desapropriar sempre que quiser. Sem adversários políticos fortes na oposição, com exceção de parte da imprensa, o Comandante deve se manter no poder por muitos anos. Ainda mais com as reeleições perpétuas que lhe são garantidas.

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Três pequenas curiosidades venezuelanas:

* A cidade Maracaibo é conhecida como a mais quente e a mais fria da Venezuela. Explica-se: as temperaturas externas chegam a mais de 45 graus em alto Verão, mas as internas beiram 15 graus. Não importa a época do ano, onde há espaço fechado em Maracaibo, o ar condicionado entra bombando.

* Os venezuelanos e os brasileiros que vivem em Caracas garantem: Lula é pop star por lá. Admirado pelos seguidores de Chávez e por parte da oposição, o presidente brasileiro agrada a todos.

* O fuso horário na Venezuela é possivelmente único no mundo. Lá, os relógios estão acertados com 2h30 a menos que o horário oficial de Brasília. Isso mesmo, tem 30 minutos quebrados de lambuja. Ao perguntar o motivo dessa diferença, esclareceram de prontidão: foi idéia de Chávez, ele consegue o que quer. A justificativa do Comandante foi a seguinte: essa meia hora permite que as crianças levantem cedo para irem a escola com o sol já brilhando...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

No rastro da informação


Já se passaram dois anos desde que abandonei a redação do jornal Correio da Bahia e passei a me dedicar a área da Comunicação Corporativa. Cada vez mais, percebo que fiz a escolha certa e não me arrependo de um único passo. Algo que é notável para uma pessoa sempre cheia de dúvida como eu e que adora um arrependimento de caju em caju. Não deixo, porém, de olhar com certa nostalgia para alguns dos textos que escrevia no caderno de Cultura do Correio da Bahia, que guardo em uma pasta lá no fundo armário. Por dois anos, muito aprendi. Como era prazeroso escrever sobre música, cinema, literatura e quadrinhos. Desenvolvi meu texto, aprendi a moldar uma certa cara-de-pau, entrevistei artistas que sempre admirei e mantive-me sempre antenado com as novidades do mundo cultural. No Correio, também fiz amizades que levarei para sempre, especialmente entre meus colegas do Folha da Bahia.

Depois desses 24 meses, posso dizer que não sou mais tão informado sobre música e cinema como antes. Entretanto, acredito que me mantenho acima da média, mesmo que sem o contato antecipado com as tendências e com o que importa nesse meio. É natural, afinal o foco do meu trabalho hoje é outro. Não deixo, porém, de ir ao cinema, de comprar CDs, DVDs e livros, de frequentar os principais festivais de música e de ler bastante. Não perdi, pois, um hábito que levo comigo há anos, que é ler sobre cultura, especialmente música. É uma maneira de prosseguir razoavelmente informado. Em minhas viagens recentes ao exterior, sempre adquiro algumas boas revistas inglesas e americanas, sempre muito caras no Brasil.

No momento, nosso país está relativamente bem servido na área. Se a Bizz não existe mais, a Rolling Stone ocupou o espaço com vigor e outra publicação internacional acaba de chegar para enfrentá-la: a tradicional Billboard. Há espaço sim para as duas, pois os focos são levemente diferenciados. Enquanto a RS foca no mundo pop e trata também de celebridades, política, moda e comportamento, a Billboard é quase que exclusivamente música, só que passenado pelos mais diversos gêneros- até mesmo pagode, sertanejo e outros estilos de gosto duvidoso.

A Rolling Stone comemorou 3 anos de Brasil com uma edição especial com as 100 maiores músicas brasileiras da história. Lista equilibrada, encabeçada pela vigorosa "Construção", de Chico Buarque. Dominam a lista medalhões como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso e Tim Maia, com poucos representantes da safra mais recente. Na edição de estréia, a Billboard estampou o mais popular dos artistas brasileiros na capa, o rei Roberto Carlos. As matérias, em geral, são equilibradas, mesmo que pouco inventivas. O que salta aos olhos mesmo são as listas das paradas de sucesso em várias partes do mundo e no Brasil, com cortes específicos nos principais estados brasileiros. Vale uma curiosa olhada, para perceber como o axé ainda é forte na Bahia e como o sertanejo domina os estados mais centrais. Em São Paulo e no Rio reza uma cartilha mais diversificada e chegada ao internacional. Entre as matérias, a que mais me saltou aos olhos foi a sobre os 30 anos do punk no Brasil. Boa materia que me fez lembrar de um dos melhores livros sobre música que já li, o intenso e inventivo "Mate-me Por Favor" ("Please Kill Me"), que reúne a história do punk (e o que veio logo antes dele) nas declarações daqueles que participaram do movimento. Para ler e guardar.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A marca de Tarantino


Não canso de rever "Pulp Fiction", obra-prima pop do grande Quentin Tarantino. Foi com esse filme que eu - e boa parte dos seus fãs - mergulhei de vez na cinematografia do cineasta americano, retrocedendo, inclusive, para conhecer o ótimo "Cães de Aluguel". Dos seus filmes - sempre bons, mas nem sempre espetaculares - só não vi a parte que lhe pertence na parceria com Robert Rodriguez, o "Death Proof". Erro que pretendo corrigir logo, por sinal. Semana passada, fui ver "Bastardos Inglórios", novo petardo de Tarantino, que traz o galã (que hoje faz de tudo para se enfeiar) Brad Pitt entre os principais personagens.

Está tudo lá: violência desenfreada, diálogos cortantes, personagens bizarros, elenco afinado, trilha sonora cuidadosamente pincelada. A grife Tarantino é facilmente percebida e isso chegou a levantar algumas críticas de meios especializados. Chamam de mais do mesmo, falta de inovação e sugerem até mesmo uma limitação criativa deste que é um dos melhores diretores que surgiram nos anos 90. Bom, eu não sei quanto a estes críticos, mas o que eu espero ao ver um filme de Tarantino é justamente que traga o que o ele sabe fazer de melhor. Guardando as devidas proporções, é o que acontece com o genial Alfred Hitchcock. Em sua extensa filmografia, são poucos os filmes que não trazem o estilo hitchcockiano impresso em cada cena.

Sátira inteligente e propositadamente exagerada do período do nazismo - mais especificamente da França ocupada pelos seguidores de Hitler -, "Bastardos Inglórios" é uma obra divertida e movimentada, que carece talvez de um roteiro mais elaborado, para complementar os espertos diálogos. No ranking tarantiniano, eu colocaria este novo filme no nível de "Jackie Brown". Ainda bem bom, mas sem a excelência dos já citados "Cães de Aluguel"e "Pulp Ficton" e da série "Kill Bill". O que há de melhor no filme é a gangue dos Bastardos Inglórios que dá título à obra, com destaque para o Tenente Aldo Raine (Brad Pitt) e o Sargento Donny Donowitz (Eli Roth, amigo de Tarantino, que também é diretor). Só quem se sobressai a todos é o Coronel Hans Landa (Christoph Waltz, ganhador do prêmio de Melhor Ator em Cannes). Oficial alemão poliglota, Landa é implacável e carrega uma frieza notável. Prova disso é a primorosa sequência inicial, quando o oficial faz uma busca por judeus em um rancho no interior da França. Com uma lábia envolvente, o coronel acaba por realizar o seu "trabalho", fazendo jus a fama de caçador de judeus. É bem mais assustador que o caricato Hitler de "Bastardos Inglórios". Fato aliás, compreensível, afinal depois do Hitler de Bruno Ganz em "A Queda - As Últimas Horas de Hitler", todas as reencarnações do líder nazista vão parecer pouco convicentes.

domingo, 25 de outubro de 2009

Canal dos nacionalistas


Os panamenhos são muito nacionalistas e admitem o orgulho pelo país sem muita cerimônia. Recheado de problemas, como toda nação da América Latina que se preza, o Panamá tem uma orla que impressiona pelos gigantes arranha-céus que chegam a 100 andares e colocam uma interrogação na cabeça: será mesmo que tem comprador suficente para tantos prédios luxuosos sendo levantados ao mesmo tempo? Bom, há sim muita especulação e lavagem de dinheiro por lá, o que pode acarretar, segundo dizem, em mais uma crise alimentada pelo mercado imobiliário. O que fica, entretanto, é a imagem de uma modernidade latente em um pequeno país centro-americano.

Ao pensar no Panamá, naturalmente o que primeiro vem a cabeça é seu importante canal. Obra de engenharia de imensas proporções, o Canal do Panamá é um projeto do início do século XX que impressiona pela tecnologia e engenho empregados. Quando se toca nesse assunto, novamente surge o tema do nacionalismo. Por muitas décadas, o canal foi administrado pelos Estados Unidos, que passou o bastão para o Panamá no dia 31 de dezembro de 1999. Agora imaginem o que é para um país nacionalista viver com parte do seu território ocupado por estrangeiros, que exploram comercialmente o que poderia ser a sua principal fonte de renda? Foi justíssima, pois, a festa que os panamenhos fizeram no primeiro dia de sua liberdade. E é de se admirar o esforço que eles hoje fazem para ampliar o canal e torná-lo compatível com os gigantescos navios que hoje transportam cargas pelos oceanos. Ali está o futuro do país, não há dúvida.

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Algumas das coisas mais inusitadas ao viajarmos para outros países - especialmente sem a ânsia do turista que quer ver tudo ao mesmo tempo - é obervar alguns costumes diferentes que nos parecem estranhos. Não sei se é algo comum no Panamá, mas um restaurante chique deveria oferecer mesas compartidas? Bom, se for para curtir a minha solidão numa cidade distante, que seja de fato sozinho, ora bolas. E não dividindo mesas. Afinal, não estou no paulistano Shopping Eldorado, em plena praça de alimentação, ao meio dia! Foi essa estranha proposta que recebi de uma hostess pouco simpática, em um restaurante oriental no Multiplaza, gigante centro comercial na Cidade do Panamá.Frente à minha surpresa e me olhando com um ar de retaliação, a garota acabou me levando para um outro salão do restaurante, onde um balcao e algumas mesas altas satisfaziam os solitários por opção.

sábado, 10 de outubro de 2009

Doces veraneios



Durante cerca de 10 anos de minha vida, eu não soube o que significava veranear em Salvador. Como numa eterna colônia de férias, Praia do Forte se tornou o lar dos meus verões, dos 9 aos 19 anos de idade. Lembro que era convidado a passar temporadas em Vilas do Atlântico e na Ilha de Itaparica e, quando cedia, logo me arrependia e contava os dias para voltar para a então bucólica Praia do Forte. Foi nesse pequeno reduto, ainda uma Vila de Pescadores, que pela primeira vez senti uma sensação de liberdade e independência. As ruas de barro da Vila, recheadas ainda com poucos turistas e muitos nativos, eram seguras e conhecidas por nós em todas as suas nuances. A praia, com uma inclinacão peculiar na areia, oferecia um mar calmo, tanto nas pocinhas em frente ao apart onde me hospedava (Garcia D'Ávila) quanto no Papa Gente, passando ainda pelo trecho mais profundo em frente ao famoso Eco Resort. Hotel este, por sinal, que foi invadido seguidas vezes por um bando de crianças ávidas por suas piscinas imensas e sua recreação gratuita. Cansei de correr de seguranças, quando nossa tática de nos dividir em grupos e atacar em várias frentes não dava certo. Os rostos já marcados pelos guardinhas que mantinham a posição na frente do Resort buscavam mesmo era um pouco de emoção, quase sempre recompensada com um gostoso banho de piscina.

Esse bando de crianças a que me referi, inclusive, foi responsável por alguns dos momentos mais divertidos da minha infância. Logo no primeiro janeiro por lá, eu e meus tios e primas que me convidavam para Praia do Forte conhecemos duas famílias de São Paulo e duas de Brasília, que logo se tornaram amigas. Os adultos estreitaram laços e as crianças não se desgrudavam. Se alguns, como os companheiros de Brasília, só voltaram por mais quatro anos para a nossa solar terra prometida, outros, como os paulistas, bateram ponto conosco durante toda a década. Matávamos as saudades uns dos outros trocando cartas (sim, elas ainda existiam!) e esperando ansiosamente por mais um veraneio. Até hoje tenho essas pessoas como referências em minha vida. Umas não vejo há anos, outras estão ainda bem próximas.

As lembranças são muitas do Litoral Norte e, nos anos seguintes que voltei, já sem a garantia do Verão e sem meus amigos de outros Estados, consegui reviver os bons momentos sem grande nostalgia, mas com uma sensação de ter aproveitado cada minuto que passei ali. O delicioso bolinho de peixe do Souza (que bati o recorde de 100 unidades comidas em um verão); os caretas que já começavam a nos assustar no final de janeiro; as tartarugas do Projeto Tamar; a torta de limão do Tango Café; o divertido banana boat (e o fatídico dia que os adultos experimentaram e - apavorados após um pequeno acidente - resolveram nos proibir de utilizá-lo); as trilhas matutinas rumo a Reserva de Sapiranga e suas corredeiras; as puladas noturnas de cerca entre os aparts vizinhos Garcia D'Ávila e o Solar dos Arcos; a moqueca de Maura à beira-mar; as longas caminhadas rumo ao Rio Pojuca; o pôr-do-sol inesquecível frente ao histórico Castelo Garcia D'Ávila; as sessões de música baiana e crepes no Solar dos Arcos; os mergulhos silenciosos no Papa Gente e na Piscina do Lord; os sariguês caçados nos corredores do apart-hotel; as conversas à luz da lua na piscina; as intermináveis partidas de War e outras jogatinas como Rapidinho e Imagem & Ação; as eternas brigas com as primas na hora de lavar, enxugar e guardar a louça do nosso saudoso apartamenteo A4; os surreais shows do Asa de Águia e Fernanda Abreu em um lugar ermo e escuro; as despedidas chorosas no início de fevereiro. Foram momentos fantásticos que devo aos que me proporcionaram a chance de curtir esses inesquecíveis dias de Verão. Obrigado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Do You Want To?


O Franz Ferdinand é uma das bandas mais honestas da atualidade. Seus três CDs de estúdio são equilibrados em qualidade, todos eles bem acima da média. Os shows do grupo são explosivos por onde quer que eles passem, seja no gigantesco palco do festival Glastonbury, seja num inferninho para 500 pessoas, onde eles continuam tocando mesmo após se tornarem uma das principais bandas do mundo. Seus integrantes não se metem em confusão, porém tampouco são nerds completos. No palco, despejam doses generosas de energia, com seu rock dançante dos mais empolgantes. São conhecidos também pelo nível cultural destacado, a começar pelo vocalista Alex Kapranos, que mantinha uma coluna no prestigiado jornal The Guardian sobre culinária e já lançou, inclusive, um livro sobre o assunto - o ótimo "Mordidas Sonoras", que tem um capítulo dedicado ao Rio de Janeiro.

Fora isso, os caras aparentemente gostam muito do Brasil. A primeira vez que eles apareceram por aqui foi no início de 2006, quando fizeram o show de abertura para o U2. Com apenas um disco a tiracolo e num ambiente onde só o que importava para os presentes era mesmo a banda de Bono e cia, o Franz Ferdinand cumpriu o seu papel com dignidade. Não demorou muito, porém, para eles voltarem como headliners do então interessante festival Motomix, em SP, e para um show no mítico Circo Voador, no Rio. Já com o segundo disco na pista e apenas sete meses após a estréia em terras brasileiras, eles impressionaram pela energia e entrega, conquistando ainda mais fãs e consolidando o interesse de admiradores como eu.

Semana passada, com o terceiro disco bombando, eles foram convidados pela MTV brasileira para tocarem no VMB e foram aproveitados pela Smirnoff para uma festa quase particular, com apenas 500 ingressos pagantes e pouco mais de 500 promocionais. Ouve muita reclamação dos fãs órfãos de ingressos, mas esses escoceses não dão ponto sem nó e trataram logo de anunciar um retorno ao Brasil para quatro shows, em março de 2010.

Tendo em vista o que foi apresentado para uma platéia reduzida na quarta passada, na The Week, em São Paulo, os fãs podem esperar um grande show no ano que vem. Bem, o ingresso para a apresentação privê não foi barato e eu poderia não comprar caso soubesse da vindoura turnê. Arrependimento? Nenhum, afinal ver uma das suas bandas favoritas num palco pequeno e bem próximo, em local fechado, é uma experiência única - bem rara no Brasil. É quase como assistí-los na Escócia natal, com um público íntimo com o repertório e bem barulhento. Revezando de modo eficiente os hits dos três álbuns e se dando ao luxo de uma longa sessão de oito minutos para "Lucid Dreams", O Franz Ferdinand tocou como se estivesse em um estádio. O guitarrista Nick McCarthy fez questão de lembrar, entretanto, que a história era mais intimista, e tratou de escalar a escadaria lateral e se jogar na platéia com guitarra e tudo. Nada forçado, completamente rock'n'roll. Um show de 1h30 com gostinho de quero mais, que possivelmente será mais extenso em março do ano que vem. Se eu vou? Claro, podem me procurar por lá.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O mistério do corpo


De um lado, o colorido extravagante e o absurdo nas palavras e ações dos filmes de Pedro Almodóvar. Do outro, a singeleza e os gestos contidos que povoam uma porção da cinematografia japonesa. Filmes distintos em quase tudo,"Fale com Ela" (2002), do fantástico diretor espanhol, e "A Partida" (2008), que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e é dirigido por Yojiro Takita, se cruzam no apuro em que seus personagens cuidam de corpos: mortos ou quase-mortos. Explico melhor: em "Fale com Ela", o esquisito enfermeiro Benigno Martín (Javier Cámara) zela pelo corpo em coma de uma bela bailarina e por ela se apaixona. Tudo, claro, com a carga dramática e o estoque de reviravoltas que se tem direito, quando se trata de Almodóvar. Em "A Partida", o jovem violoncelista Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki), perdido na busca por respostas que não sabe onde estão, começa a encontrar algumas pistas ao trabalhar como agente de funerária. Em uma cultura que acha infame o trabalho de tocar corpos mortos, mesmo considerando o ato de preparar os mortos como um ritual, Kobayashi exprime uma delicadeza notável no seu ofício, em cenas belíssimas, mesmo que um tanto longas. Mesmo aqueles que o consideram um ser estranho com uma função pouco nobre, incluindo sua noiva, passam a entender a dignidade do trabalho de Kobayashi ao perceber o respeito e a dedicação que ele entrega aos entes queridos dos outros. As cenas ritualísticas e a maneira como o protagonista mergulha gradativamente no seu trabalho emocionam nos singelos detalhes. Se por vezes atua de um modo um tanto caricato, na maior parte das vezes o japonês Masahiro Motoki consegue transmitir muito nos gestos e olhares. Entendemos a angústia no seu peito desde o início do filme e esperamos pela inevitável redenção, que acaba acontecendo em uma cena diretamente ligada ao seu lidar diário com defuntos.

"Fale com Ela", que revi essa semana, tem uma história mais forte, muito por conta do talento nato de Almodóvar como roteirista. Os diálogos ferinos e a chocante relação do enfermeiro Benigno com a bailarina Alicia (Leonor Watling) se destacam em uma narrativa que tem cenas sublimes. Duas delas estão diretamente ligadas aos brasileiros: a da toureira Lydia Gonzáles (Rosario Flores) em ação, ao som de uma arrepiante canção de Elis Regina, e a de Caetano Veloso arrancando lágrimas do apaixonado Marco Zuluaga (Darío Grandinetti). Nas passagens de dança, protagonizadas pela recém-falecida Pina Bausch, Almodóvar consegue ainda transmitir muito da emoção de seus personagens. Um filme lírico e forte, daqueles ideiais para ver e rever.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um dia após o outro


O tema cachaça - e, quem sabe, otras cositas más - roubou a cena de dois shows internacionais recentes, para o bem e para o mal. O primeiros deles ocorreu em um Teatro Castro Alves (em Salvador) lotado, recheado de fãs da banda americana Beirut. O grupo foi rececido por fãs ávidos em cantar as inusitadas canções do grupo a plenos pulmões. Nem a sisudez do teatro poderia barrar, pois logo nos primeiros minutos do show, a platéia já estava toda de pé. O vocalista Zach Condon, porém, bebeu além da conta e pôs tudo a perder. Mesmo com alguns momentos bacanas, muito por conta do resto da banda, a forte embriaguez do cantor atrapalhou a execução das canções, o ritmo do show e ainda provocou uma invasão de palco, culminando com o roubo de um microfone e de um instrumento do Beirut. Resumo da ópera: uma zona completa e absoluta. Dias depois, já curado da cachaça, Zach liderou shows bem mais equilibrados em São Paulo e em Recife. O estrago na Bahia, porém, já tinha sido feito.

O inverso, para a minha felicidade, ocorreu pouco tempo depois, na semana passada, no Via Funchal (São Paulo). A inglesa Lily Allen entregou um excelente show para uma platéia vibrante, mostrando que é sim uma das melhores coisas que surgiram na música pop nos últimos anos. Ela se esforçou - e não foi pouco - para apagar a péssima imagem que deixou no final de 2007, quando virou motivo de chacota no então iniciante festival Planeta Terra. Completamente alterada por conta das muitas biritas que entornou, Lily fez um show abaixo da crítica e desperdiçou a chance de se mostrar mais conhecida para um grande público.

Dessa vez, veio em turnê com um excelente disco, "It's Not Me, It's You", um passo além e mais adulto em relação ao anterior "Alright, Still" (2006). Se o álbum de estréia já tinha coisas interessantes, este recém-lançado é elegante e maduro, sem perder uma forte veia pop. É recheado de potenciais hits, traz uma ironia típica dos ingleses nas composições e uma variedade rítmica mais acentuada. Confesso que eu olhava para esta inglesinha com algum preconceito, mas foi só ouvir de fato o disco para respeitá-la. No show, que ela considerou um dos melhores que fez esse ano, em mensagem enviada pelo hypado Twitter, Lily esbanjou qualidade na voz, desfilou as suas canções mais bacanas e interagiu com o público. A sequência inicial matadora - com "Everyone's At It", "I Could Say" e "Never Gonna Happen" -, a execução da bela "The Fear" e do primeiro hit "Smile" e o bis composto pelo cover "Womanizer" (Britney Spears), "Fuck You" ("singela" canção dedicada a George W. Bush) e "Not Fair" foram os pontos altos da apresentação. O som límpido e em ótimo volume, nem sempre regra geral no Via Funchal, apenas completou uma noite em que tudo deu certo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Reencontro com a paz


A comparação de um salutar envelhecimento humano com um bom vinho cabe perfeitamente ao caso do grande Clint Eastwood. Na medida em que os anos passam, o veterano diretor, ator e produtor se supera, entregando filmes sensíveis e inventivos, numa regularidade invejável. Arrancando performances acima da média dos seus atores, como Hilary Swank e Morgan Freeman em "Menina de Ouro" e Sean Penn e Tim Robbins em "Sobre Meninos e Lobos" - somente para ficar nos recém-oscarizados -, Clint demonstra como hoje domina completamente o seu ofício. Filme novo deste americano de San Francisco é sinônimo de potencial indicado ao Oscar, garantem as bolsas de apostas.

De vez em quando, ele próprio se coloca à frente das câmeras, como em "Gran Torino". Revi pela terceira vez essa pequena obra-prima recentemente e mais uma vez me emocionei com a história do homem duro e pouco social, que não esquece as agruras da guerra em que lutou e guarda os mais terríveis preconceitos. Entretanto, por debaixo daquela camada aparentemente intransponível, existe um homem bom e justo. Mesmo que oculte na primeira metade do filme, é na sua interpretação contida que Clint dá a entender que há algo de humano ali. Com falas cortantes, de um humor ferino, porém refinado, o personagem Walt Kowalski conquista a improvável simpatia do espectador. Mérito de Clint, que injustamente não figurou entre os indicados ao Oscar de Melhor Ator de 2008.

Último remanescente da maioria em um bairro povoado pelas mais marginais minoriais, Kowalski resiste ao presente e ao futuro, se mantendo preso a um passado obscuro. Isso fica evidente desde o recorrente discurso sobre a Guerra da Coréia, que aparentemente o traumatizou, até a residência onde vive e que dividiu por anos com sua esposa recém-falecida, passando também pelo carrão antigo que dá nome ao filme. É na suas relação com a família de asiáticos que mora ao lado, especialmente com o garoto Thao, que o personagem de Eastwood vai reencontrar o seu quinhão humano que ficou perdido em algum chão da distante Coréia. Se já não reconhece entre seus fúteis filhos e netos a possibilidade da redenção, é na desprezada família de olhos puxados que está a saída. Uma lição para um senhor que já viu muitas coisas nos seus mais de 70 anos de vida, mas que ainda precisava de paz interior.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

No país do paladar e da buzina


Aos poucos, o Peru vem conquistando o Brasil como um dos principais destinos turísticos da América Latina. Nada mais justo para um país que traz características singulares, cultura forte, sítios históricos impressionantes, comida e bebidas típicas e paisagens das mais distintas. Como toda grande cidade deste lado do mundo, a capital Lima é uma metrópole que reserva um certo caos na sua rotina, mas também traz encantos nítidos. É surpreendentemente grande e cheia de opções, mas apresenta pobreza, ruas engarrafadas e alguma violência. O trânsito caótico, aliás, é algo que salta aos olhos. Carros pequenos, vans caindo aos pedaços que fazem o transporte coletivo e carrões importados disputam os espaços, especialmente na conturbada região central da cidade. A buzina é, pois, paixão nacional do peruano. Não chega a apresentar a loucura viária que existe em Angola, na Líbia, na República Dominicana e no Panamá, somente para ficar nos piores que já conheci, mas provoca no brasileiro até uma certa saudade do nosso trânsito mais civilizado.

Ao chegar em Lima, o que logo chama atenção é a grande quantidade dos cassinos Tragamonedas e de lanchonetes americanas como Pizza Hut, Mc Donald´s, Burguer King e KFC (essa última em quantidade assustadora, talvez devido a afinidade do peruano com a carne de frango). O fast food contrasta de modo gritante com a qualidade diferenciada da culinária típica peruana. Hoje uma das mais saborosas do mundo, ela traz como carro-chefe o delicioso ceviche, prato simples marinado no limão, e tem nos mariscos e peixes os seus protagonistas. Nas minhas três viagens que fiz ao Peru, não comi mal uma única vez. Ao contrário, lambi os beiços em praticamente todas elas. Se tem algo que o povo peruano se orgulha é dos seus pratos saborosos e fartos, algo compreensível, diga-se de passagem. Nesta minha última estadia por lá, conheci o La Mar, restaurante do chef mais famoso do país, Gastón Acurio, também proprietário do Astrid & Gastón. O mestre-cuca já afirmou, inclusive, que o desafio dele é transformar a culinária peruana em uma representante tão famosa quanto a japonesa. Um caminho logo, é bem verdade, mas que ele persegue firmemente em seus 42 restaurantes espalhados por 14 países (o mais recente deles em São Paulo, no Itaim).

No Peru, há tambem duas bebidas típicas das mais inusitadas. Primeiro, no setor dos inofensivos refrigerantes, tem a Inka Kola, discreta bebida em amarelo "cheguei". Hiper popular no país, ela se transformou em caso único no mundo ao barrar o crescimento da poderosa Coca-Cola no Peru. Mas como americano não é besta nem nada, hoje a Inka-Cola, que tem um inconfundível gostinho de chiclete, é produto da Coca-cola Company. É a velha história do se não pode com eles, junte-se a eles. O outro caso é o do mais ofensivo Pisco Sour, bebida feita com a cachaça deles, o saboroso Pisco. Semelhante a marguerita, traz entre seus ingrendientes clara de ovo e angustura. Ao chegar em um bar ou restaurante, sempre lhe é oferecido um e é de fato difícil se resumir a esta única unidade. Como se não bastasse, o pisco sour é motivo de briga entre peruanos e chilenos, que reclamam a invencão desta forte bebida. Mesmo não conhecendo o Chile, minha torcida já é dos peruanos. Próximo passo? Conhecer um pouco mais a aconchegante Cuzco (um dia e uma noite a trabalho foi de fato muito pouco) e desbravar a misteriosa Machu Picchu.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Los hermanos


Já conheci muitos países, por conta dos dois intercâmbios que fiz e também devido ao meu trabalho, que tem me levado a nações, digamos, diferentes como Angola, República Dominicana, Panamá e Líbia. Uma país, porém, por algum motivo misterioso, teimava em não aparecer na lista de lugares visitados: a Argentina. A proximidade geográfica, a passagem barata e o real valorizado não surtiram tanto efeito. Porém, graças mais uma vez às andanças profissionais, enfim tive o prazer de conhecer a terra de nuestros hermanos.

Buenos Aires pode não ter a marca de cidade do mundo, como tem São Paulo, e não ter as estonteantes belezas naturais do Rio, mas é uma metrópole encantadora. Doa a quem doer, é, de fato, uma capital diferente de todas a que estamos acostumados a ver na América do Sul. Tem ares europeus, avenidas largas, prédios antigos imponentes, muitas pracas e simpáticos cafés e restaurantes cujas mesas se esparramam pelas calçadas. Uma cidade que convida o turista a andar e vivenciar suas ruas na plenitude. Não por acaso, boa parte do comércio acontece nas ruas, em lojas e galerias que se espalham por avenidas como a Cordoba e Santa Fé e ruas como a Florida. Para os preguiçosos de plantão, não há o que se preocupar. Além dos sistemas de metrô e ônibus, os táxis da Argentina são bem em conta.

Ao contrário do que se costuma bradar aos quatro ventos, o argentino gosta sim do brasileiro. Ou, pelo menos, em tempos de crise econômica e necessidade expressa de turistas, finge muito bem gostar. A gentileza dos mais próximos é também recorrente entre garçons, taxistas e atendentes de hotel. Não raro, eles arriscam - ou mesmo falam com algum talento - o português, num gesto de gentileza. Naturalmente, isso é algo que não se repete quando se trata do futebol, capítulo em que os argentinos e os brasileiros de fato se odeiam. Ao passar por Rosário, simpática cidade que fica a beira do Rio Paraná, fui pego de surpresa com um bom sinal. O estádio onde o clássico mais importante do futebol mundial vai acontecer, no próximo domingo, é decorado pelo verde, amarelo e azul. Cores do Rosário Central, que podem trazer alguma sorte para a Seleção de Dunga.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Fim de linha


O Oasis acabou. Bom, pelo menos até segunda ordem, devido a saída do guitarrista e principal compositor Noel Gallagher. A notícia não chegou a despertar um sentimento forte em mim, mas deve ser algo muito importante para tantos outros. Na realidade, ainda fica uma pulga atrás da orelha a cada anúncio polêmico dos irmãos Gallagher. Eles são bem chegados numa jogada de marketing e essa pode ser apenas mais uma para a coleção. Quando soube da mais nova briga, cheguei a pensar: "Droga, perdi a oportunidade de vê-los em São Paulo, recentemente". Mas será mesmo que há motivo para tal arrependimento? Creio que não.

Assisti ao Oasis na terceira edição do saudoso Rock in Rio, que agora corre o mundo descaradamente, levando o nome da Cidade Maravilhosa sem nos dar nada em troca. Naquele show, mesmo dia em que o Guns N'Roses deu as caras pela última vez no Brasil, os britânicos não se esforçaram tanto. Animaram com um punhado de hits, mas se empenharam mesmo foi em manter a pose blasé que lhes é característa. Algo bem cansativo, diga-se de passagem.

Já tendo cumprido minha "obrigação" nos idos de 2001, penso que fiz bem em não ter ido ao show desses polêmicos torcedores do Manchester City. Certamente, eles já fizeram coisas muito boas, especialmente nos três primeiros discos, especialmente no segundo, "What's the Story Morning Glory". "Be Here Now", o terceiro álbum, mesmo criticado por muitos, é um bom exempo dos momentos mais gloriosos da banda. Depois deste, confesso, perdi a paciência com os Gallagher. As confusões, as caras feias e o discurso "somos a melhor banda do mundo" ja não me diziam mais nada. Bom, que descansem em paz, pois.

domingo, 30 de agosto de 2009

A África romana


Há coisas nesse mundo que nos surpreendem de um modo impactante. No momento em que soube que estava a caminho da Líbia, tratei de pesquisar um pouco sobre o país e encontrei parcas informações sobre um sítio histórico romano nas cercanias de Trípoli, Leptis Magna. Numa rápida avaliação, levando em conta também que uma ida para a Líbia não é algo que acontece com frequência, julguei que merecia uma visita, mesmo nunca tendo ouvido falar de relevantes ruínas romanas em plena África.

Bom, se fossem apenas pequenas ruínas romanas, ja teria valido o esforço. Mas Leptis Magna é mais do que isso: é uma cidade romana à beira-mar, com dezenas de edificações, grandes avenidas e com um estado de conservação notável. Para além do relativo descaso que o governo líbio trata as suas ruínas, os prédios romanos se sustentam num estado mais digno que muitos dos seus congêneres na própria Roma. O teatro, o mercado, as termas e os seus fóruns datam de 2 a 4 séculos antes de Cristo e ainda mantêm viva a sensação de que houve vida intensa naquelas avenidas romanas. Pouco divulgada como é, Leptis Magna me impressionou ainda mais do que outro grande marco desta civilização, o Fórum Romano da hoje capital italiana. Concentradas em um só local, com um belo mar à frente, as ruínas romanas da Líbia são um tesouro histórico escondido no Norte da África. Mereciam levar o nome da Líbia internacionalmente, no lugar das estripulias do velho Khadafi.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Na terra de Khadafi


A Líbia não é exatamente um lugar completamente desconhecido para a maioria dos brasileiros. Em algum momento, você já deve ter ouvido falar neste país. Mas quando se trata de ligar alguma informação da nossa memória a esta nação, muitas vezes impera a confusão. Primeiro, é comum a troca recorrente da Líbia pelo Líbano, este último país bem mais presente no imaginário brasileiro, por conta dos muitos imigrantes que vivem na região Sudeste e da comida sírio-libanesa que convencionamos chamar (generalizando) de árabe. Há também um questionamento recorrente: a Líbia está na África ou no Oriente Médio? Pode conferir no mapa, mesmo fazendo parte do mundo árabe, o país que foi colonizado pelos romanos, fenícios, turcos e - por fim - italianos, até o período da Segunda Guerra Mundial, localiza-se no Norte da África, logo ali entre a Tunísia e o Egito. Por fim, há o polêmico Muammar al-Khadafi, governante do país há nada menos que 40 anos. O homem que comanda este país árabe sob uma forte ditadura e implantou um sistema que se diz socialista, é popularíssimo entre os seus e habita as páginas dos jornais de todo o mundo com acusações de cunho terrorista. O mais curioso é que, mesmo com toda (má) fama de Khadafi, muitos não o ligam diretamente a Libia.

Envolto em todo esse misterio, não deixa de ser um prazer desvendar a Líbia, um país que, só por pertencer ao mundo árabe, já desperta as mais diferentes sensações. Ver todas as mulheres com as cabeças cobertas, mesmo que poucas usem a burca completa, perceber como ainda há segregação pesada entre mulheres e homens, entender o papel primordial da religião na vida daquelas pessoas - todos esses são pequenos desafios para o visitante. Imagine então para os estrangeiros que lá vivem e trabalham, como é o caso, por exemplo, dos engenheiros e administradores brasileiros que trabalham na ampliação do Aeroporto Internacional de Trípoli e na construção do Terceiro Anel Viário da mesma cidade. Mesmo sendo um local com amplas oportunidades - que ainda está no início do processo de reconstrução da infraestrutura, após o embargo de anos imposto pelos Estados Unidos - a Líbia é um país que exige amplo desprendimento por parte dos ocidentais.

A primeira questão básica é a proibição absoluta do consumo de qualquer tipo de bebida alcoólica. Se na conexão em Londres, vindo do Brasil, você comprar uma birita qualquer, pode se preparar para entregá-la de mãos beijadas às autoridades líbias. E não há muita chance de escapar, afinal sua bagagem passa por incríveis quatro equipamentos de raio-x. Se quiser beber, terá mesmo é que se entregar ao mercado negro, com álcool vendido a preço de ouro. Outro fator determinante é a diferença conceitual do lazer. Para o líbio, lazer é fumar imensos narguilés e comer. Algo que não é exatamente ruim, mas que deixa de ser interessante quando se é praticamente a única opção. Na Líbia, não há cinemas, teatros, casas de shows e boates - ao menos nos moldes que nós ocidentais estamos acostumados. Para se ter uma idéia, o fim de semana se resume à sexta; sábado e domingo são dias de branco, labuta normal. Tanto que o brasileiro que lá vive costuma dizer que a sexta de manhã é o seu sabado e a sexta de tarde é o domingo... Mas não se engane: mesmo com uma única folga oficial por semana, o líbio põe o trabalho como quinta prioridade, abaixo da religião, família, amigos e lazer, não hesitando em faltar por qualquer motivo. A mulher ocidental também pode sofrer na Libia, basta experimentar sair sem véu nas ruas e perceber os olhares lascivos dos árabes.

Pois, mas ainda que existam todas essas restrições - ou, melhor dizendo, diferenças culturais - a Líbia também oferece diversos encantos. Trípoli é uma cidade à beira-mar com uma orla bem cuidada e muito movimento nas ruas. O povo é receptivo ao brasileiro, muito por conta do futebol. A Medina, centro histórico e comercial da cidade, é imponente e traz vibrantes ruelas, que guardam muitos segredos e mercadorias baratas em ouro, prata e panos coloridos. Outra notável característica líbia é a inexistência da miséria, algo que a diferencia do resto da África. Claro, há pobres, mas longe de serem miseráveis. Talvez por esse motivo, a violência é mínima, não há notícias de assaltos e assassinatos. Um oásis para quem vive nas grandes cidades brasileiras.

Povo religioso, o árabe faz as cinco rezas diárias, como manda o Alcorão. Nas ruas da Medina, é impressionante o chamado dos alto-falantes das mesquitas, com uma ladainha exótica e eloquente. Neste momento, o árabe pára o que está fazendo, se limpa por completo e se apresenta puro para reverenciar a Alá. Na semana em que estive na Líbia, finalizavam-se os preparativos para o Ramadã, que começou no dia 21 de agosto. O Ramadã nada mais é que uma das mais importantes manifestações religiosas do mundo islâmico. Ao nascer do sol, o muçulmano não come, não bebe, não transa e nem fuma. Os mais radicais, nem escovam os dentes, para não correr o risco de engolir água. Quando o sol se põe, o atraso é tirado e eles comem e fumam por toda a noite. O jejum é completo por um longo mês, que este ano se mostrou ainda mais complicado, por ter caído em pleno Verão. Imaginem o que é sentir sede por um dia inteiro, num calor de 38 graus, e não beber absolutamente nada? Naturalmente, os turnos de trabalho são menores e a produtividade cai em 60%, afinal seria humanamente impossível manter a rotina. Tudo em nome da tradicão, que, na terra de Khadafi, é o que importa.

sábado, 15 de agosto de 2009

Complô da boa música


Os supergrupos não sao exatamente uma novidade. Nos idos de 1988, George Harrison, Roy Orbison, Bob Dylan e Tom Petty cometeram dois grandes discos sob a alcunha de The Traveling Wilburys, uma superbanda difícil de ser combatida. Foi o ultimo projeto de Orbison, que morreu dois meses depois do lançamento do primeiro álbum, uma nobre despedida em excelente companhia. Alguns anos antes, na década de 60, David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash e - mais tarde - o reforço de luxo Neil Young se juntaram para um supergrupo folk: o Crosby, Stills, Nash & Young. Um bem-sucedido coletivo que até hoje se reúne sazonalmente. Voltando um pouco mais no tempo, mais precisamente entre 1962 e 1968, o Yardbirds foi casa de músicos em gestação, ainda distantes das lendas que se tornariam anos depois. Três dos melhores guitarristas de todos os tempos passaram por lá: Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck. Mesmo não tendo tocado todos juntos na mesma formação, foi nessa panela de pressão que eles surgiram.

Esse fenômeno, que causa um frio na barriga dos fãs, tornou-se ainda mais intenso nos últimos anos. Em 2006, o vocalista Damon Albarn (Blur e Gorillaz) se juntou com o baixista Paul Simonon (The Clash), o baterista Tony Allen (Fela Kuti) e o guitarrista Simon Tong (Verve e Blur) para formar o The Good, The Bad & The Queen. O supergrupo só lançou um disco em 2007, o suficiente para marcar o rock dos anos 2000. No cenário atual, entretanto, três nomes são imbatíveis quando se trata de grandes encontros. O primeiro deles é Jack White, do duo White Stripes. Possivelmente para evitar o possível desgaste do tête-à-tête com a baterista Meg White, Jack já formou outros dois grupos, os ótimos The Raconteurs e The Dead Weather (na foto). O primeiro não é exatamente um supergrupo, pois traz na sua formação três músicos de bandas meio obscuras. O segundo acabou de sair do forno e é composto por Alison Mosshart (The Kills), Dean Fertita (Queens of The Stone Age) e Jack Lawrence (que Jack trouxe a tiracolo do Racounteurs). O disco "Horehound" fez valer a expectativa em torno do projeto, com muito peso e entrosamento.

Os outros dois artistas que não dão ponto sem nó são Dave Ghrol (Nirvana, Foo Fighters) e Josh Homme (Queens of The Stone Age, Eagles of Death Metal, Desert Sessions). Não à toa, os dois estão juntos no novo projeto que vem tirando o sono de muito roqueiro: o Them Crooked Vultures. Só os dois juntos, reeditando a parceria inesquecível do melhor disco da banda principal de Homme, a obra-prima "Songs for the Deaf" do Queens of The Stone Age, já seria suficiente. Mas eles fizeram questão de convocar um dos melhores baixistas de todos os tempos, John Paul Jones, o homem por trás do baixo e do teclado do Led Zeppelin. Muito pouco se ouviu da banda até o momento, apenas trechos do primeiro e único show, um teaser do site (http://themcrookedvultures.com/) e muita especulação. O fato é que vai ser muito difícil sair algo ruim dessa quadrilha. A dica é acompanhar cada passo e torcer para o projeto vingar.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Um artista incomum


Essa é uma escolha das mais difíceis, mas eu arriscaria dizer que Johnny Depp é o mais interessante dos atores em atividade. Quase que ouso mais e afirmo que ele é o melhor, mas lembrei de Philip Seymour Hoffman, Robert Downey Jr., Daniel Day Lewis, Javier Bardem e de monstros que mais nada tem para provar como Robert De Niro, Al Pacino, Dustin Hoffman e Jack Nicholson e a dúvida se instaurou. Bom, não dá mesmo para escolher um só, quem sabe um top ten? Melhor mesmo é deixar o momento "Alta Fidelidade" para depois.

Desde as escolhas pouco óbvias até a sua capacidade de encarnar os tipos mais variados, passando pela parceria interessantíssima com o cineasta Tim Burton, Johnny Depp encanta pela estranheza. Seu olhar traz uma autenticidade que cria uma cumplicidade com o público, que torce pelo seu personagem, mesmo que ele não seja politicamente correto. Depp já colocou nas telas tipos memoráveis e esquisitos até o talo como Edward Mãos de Tesoura, Ed Wood, Sweeney Todd e, claro, o tresloucado Capitao Jack Sparrow, da trilogia "Piratas do Caribe", mas também soube imprimir uma marca pessoal a personagens mais comuns como Donnie Brasco, o Gene Watson de "Tempo Esgotado" e o mais recente John Dillinger, do novo filme de Michael Mann, "Inimigos Públicos".

Na produção baseada na história real de um mítico assaltante norte-americano, que varreu os bancos na época da Grande Depressão e acabou se tornando o estopim para a criação do FBI, Depp magnetiza com uma segurança única. A companhia da grande Marion Cotillard - que entregou uma das melhores performances deste novo século em "Piaf - Um Hino ao Amor" - e o pouco convicente antagonista vivido por Christian Bale, colaboraram ainda mais para Depp brilhar intensamente. Quando juntos em cena, Depp e Cotillard exalam paixão, numa química que é um dos grandes trunfos do filme. Se não é exatamente brilhante, "Inimigos Públicos" está acima da média. Cresce muito devido ao casal protagonista, mas exibe uma gordurinha de pelo menos 20 minutos na duração. Continua, mesmo assim, merecendo uma indicação aos cinéfilos de plantão, confirmando uma questão já notória: com raras exceções, Johnny Depp se mantém como chamariz para interessantes experiências cinematográficas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O fim do fumo passivo


Entrou em vigor ontem, em São Paulo, a lei Antifumo, que já gera muita discussão há meses. Em Salvador, a lei já existe e está sendo seguida à risca. A ideia de multar o proprietário do estabelecimento, se algum cliente infrigir a lei, é polêmica, mas foi a melhor saída para fazer com que a lei pegue. Aquela velha história: lei no Brasil tem que pegar, caso contrário vira apenas protocolo bobo.

Na primeira noite, já senti literalmente na pele os benefícios da nova ordem. Curtir uma festa num local fechado deixou de ser um suplício para quem não fuma. Os olhos já não ardem, o ambiente fica mais claro sem a fumaça maléfica e a roupa já não cheira a cinzeiro depois da noitada. Isso sem contar que não precisamos fumar mais passivamente um maço inteiro de Marlboro; meus pobres pulmões agradecem. Nesta primeira experiência, pude constatar também que os estabelecimentos ainda estão um pouco confusos quanto ao que podem oferecer aos fumantes inveterados. Alguns locais estão montando esquema de recolha dos maços, para que o usuário retire com uma senha se quiser fumar na rua; outros estão oferecendo fumódromos ao ar livre, mas com muros que confinam o local - algo que seria ilegal, segundo a lei. O resultado é mais uma fila para incomodar e mais um motivo para briga entre cliente e estabelecimento. Frente ao benefício aos que não fumam, entretanto, esse incômodo é café pequeno e reversível.

O grande problema da Lei Antifumo é o mesmo da Lei Seca: o seu modelo radical. Se a lei que não combina bebida e direção coloca índices de alcolemia baixos demais, tornando arriscado até mesmo duas taças de vinho num jantar inofensivo, a lei do cigarro destrói espaços que poderiam funcionar muito bem: os fumódromos. Reservar - de modo opcional, cabe a cada estabelecimento - um local para os fumantes curtirem seu vício poderia facilitar a vida de todos. Mas por aqui as coisas são assim mesmo, se a lei for permissiva demais, ninguém obedece. Resta saber se a Lei Antifumo vai mesmo emplacar. Minha aposta é que sim, afinal os não-fumantes estão de olho...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tempo de educar


Um livro leve e que prende a atenção do leitor sem grandes arroubos narrativos. Esse é "O Clube do Filme" (Editora Intrínseca, R$24,90, 240 páginas), escrito por David Gilmour, crítico de cinema desempregado que vive de bicos no Canadá. Com um filho adolescente em casa, ele toma uma decisão no mínimo inusitada para um tormento que aflinge muitas famílias. Ao perceber que o garoto Jesse está completamente desmotivado com a escola, David propõe que ele simplesmente largue os estudos. Isso mesmo, abandone, e sem a obrigação de arrumar um emprego para preencher o tempo ocioso. Como era de se esperar, essa proposta acaba por atormentar o pai depois de um tempo, preocupado em não coloborar para arruinar a vida do garoto. É quando surge uma idéia original que cai como uma luva para os dois protagonistas dessa história: David sugere a Jesse que eles assistam dois filmes por semana, acompanhados por uma rápida introdução feita pelo pai e uma discussão posterior sobre a história ou algum artifício técnico. Lidando com a educação de um modo despretensioso, David acaba conseguindo aos poucos prender a atenção do rapaz e ainda provoca uma aproximação forte entre os dois.

Baseado na sua real história de vida, David acaba por cometer um pequeno, porém agradável, livro. A escrita dele pode por vezes parecer simples demais, mas é carregando na análise da sua relação com seu filho que ele acerta em cheio. Se as informações sobre os filmes que eles assistem - numa lista que vai de clássicos como "Ladrões de Bicicleta" até bombas como "Showgirls", passando por grandes filmes da Nouvelle Vague e obras importantes de cineastas como Woody Allen e Quentin Tarantino - são bem interessantes e dão um tempero a mais para os amantes da arte cinematográfica, são os conflitos de um aborrecente que mora sozinho com o pai que provocam as melhores reflexões. As desventuras amorosas de Jesse, seu envolvimento com drogas e a relação civilizada que David mantém com sua ex-mulher são como intervalos dos mais interessantes entre uma sessão de filme e outra. Mesmo sabendo que aquele pequeno cineclube não vai durar para sempre, David curte cada minuto de sua educação pouco ortodoxa e não esconde a melancolia de um pai que vê seu filho crescendo e se tornando independente. Algo inevitável, mas sempre muito sofrido para quem zela pelos seus.

Em tempo: o autor David Gilmour é apenas homônimo ao ex-vocalista e guitarrista do Pink Floyd. A foto acima não deixa dúvidas...

sábado, 1 de agosto de 2009

Espelho de uma realidade


Essa semana revi, pela quarta vez, "Cidade Baixa", filme do baiano Sérgio Machado. Sempre gostei de rever filmes, já cheguei a assistir três vezes a mesma produção no cinema. Naturalmente, isso já levantou suspeitas quanto à minha sanidade. Para mim, assistir a um filme com pessoas diferentes é sempre uma experiência nova. Fora a questão de que, a cada projeção, vemos uma peça transformada, com novas nuances e detalhes antes imperceptíveis.

No caso de "Cidade Baixa", a experiência é ainda mais prazerosa. O triângulo amoroso formado por três atores em estado de graça - Wagner Moura, Lázaro Ramos e Alice Braga - carrega muito significado e traz embutido uma Bahia verdadeira. Na cinematografia recente, nenhum outro filme reproduziu Salvador com tanta verdade, no seu linguajar urbano e nos seus becos e ruelas carregados de muita sacanagem. Se o vocabulário utilizado traduz o Dicionário Baianês com fidelidade, é no que não é dito que o filme se aproxima da excelência. Os olhares trocados, os gestos cheios de significado, o amor e o ódio que une e aparta os amigos Deco (Lázaro) e Naldinho (Wagner). Tudo confluindo para um final silencioso e aberto às mais diversas interpretações. Se você já viu esse pequeno grande filme, reveja. Se não viu, tire o atraso.

terça-feira, 28 de julho de 2009

A cidade que vibra


Não é tão difícil entender porque algumas pessoas simplesmente não suportam São Paulo. A cidade é cinza durante boa parte do tempo, o trânsito é caótico, o frio é intenso entre os meses de maio e julho e a poluição afeta a saúde de alguns. Defeitos tão perceptíveis que terminam por lançar outro questionamento à luz: por que, então, eu gosto tanto de São Paulo? Como pude perceber, logo que cheguei nesta movimentada metrópole, é preciso aprender a gostar de São Paulo. Tudo depende também dos gostos pessoais e é isso que explica a minha paixão pela Paulicéia. Primeiro, não posso me considerar um amante da praia, fator crítico para muitos baianos que vêm morar aqui. Adoro ver o mar e gosto de veranear em locais com praias, mas de fato ela sempre exerceu pouca influência na minha rotina. Sair do conforto da minha casa, atravessar a cidade, enfrentar o trânsito e a farofa para tomar um banho de mar na Praia de Aleluia? Bem, não está entre os meus programas favoritos. Troco fácil por uma barraca (de praia ou não) que tenha uma cerveja bem gelada, caranguejos graúdos e uma boa lambreta. Disso sim sinto saudade.


Segundo fator: o trânsito. Desse não há como fugir em determinados momentos, mas existem maneiras de atenuar o desconforto. Morar perto do trabalho é a solução ideal e isso eu tratei de priorizar logo que cheguei. Frio? Adoro, as pessoas ficam mais elegantes e o abominável suor deixa de existir. Está frio demais? Agasalhe-se. Poluição: esse é o mais complicado dos fatores, mas o nosso organismo tem o notável poder de se adaptar aos ambientes. Ao chegar aqui, tive reações na pele e nos olhos. Quase cinco meses depois, isso já é coisa do passado.
O que mais me encanta em São Paulo é a sua característica de cidade do mundo, onde tudo se encontra e onde as opções nunca cessam. Há beleza em sair às 4 da manhã e encontrar movimento intenso de carros nas ruas, bares cheios e lanchonetes frequentadas por ávidos baladeiros esfomeados? Há sim, claro, ainda mais quando grande parte das cidades brasileiras não sabem viver a noite a contento. Como notívago, nada pode ser mais prazeroso. A vida cultural intensa, com praticamente todos os shows internacionais passando por aqui e um extenso leque de peças de teatro e exposições, é um prato cheio para qualquer amante das artes. Para quem gosta de comer bem e ainda curte uma novidade como, sei lá, um restaurante de comida contemporânea romena, aqui é o lugar. Basta fuçar; aqui se acha tudo.

Isso sem contar as afinidades que não se explicam de modo racional, como o sentimento de pertencimento a um local. Aqui me sinto bem, me identifico com as pessoas e com o bairro onde moro, curto as contradições e até o caos urbano, que faz com que eu me sinta vivo. Por outros diversos motivos, o mesmo sentimento existe em relação a Salvador, o que me faz um cidadão feliz em qualquer um das duas metrópoles. Imagino que deve haver uma identificação dos baianos com essa cidade, o que a princípio parece meio estranho, já que temos referências tão distintas. Mas se você pensar, não à toa, foi um baiano que escreveu a mais sincera canção sobre essa selva de pedra: Caetano e a sua - batida, porém inesquecível - Sampa.

domingo, 26 de julho de 2009

Música para os meus ouvidos


Em algumas cidades, você chega e a empatia pulula logo de cara. Comigo, foi assim com a genial Londres, com a belíssima Paris, com a vibrante Barcelona e, mais recentemente, com a misteriosa Cuzco. A cidade de New Orleans acaba de entrar nesta lista, muito por causa da música, outro tanto por causa da comida e uma pitada por conta do sofrimento recente provocado pelo destruidor Katrina. Ver a garra e a força de um povo que se reconstrói é deveras fascinante. Boa dose dessa imediata simpatia se deve também à deliciosa constatação de que essa é uma cidade "esculhambada" frente ao por vezes careta "american way of life". Algo lembra o Brasil, mais especificamente a Bahia, com o que há de quente no povo negro e no caldeirão de influências que passa também pela França, Grécia e Espanha (no caso deles).


A recepção de uma cidade conta muito nas nossas preferências, não é clichê dizer que a primeira impressão é a que fica. Dias chuvosos ou quentes demais, povo antipático ou alheio, poucas opções de lazer. Tudo isso influencia e explica porque uns adoram e outros odeiam determinados destinos turísticos. New Orleans, na beleza de uma América distinta, sabe receber a quem a ela se entrega. Tem algo mais regozijador do que chegar em um hotel em que o lounge está banhado por um discreto som de jazz e, surpresa, o quarto também o recebe com um som ligado numa levada de primeira linha? Bem, welcome to New Orleans. Falta é coragem de desligar o CD player, resta mesmo é a opção de se permitir o encontro com Morfeu ao som de uma bela música para os meus ouvidos. Como numa peça que o destino nos prega, eu mereci somente um dia e meio nesta cidade. Resta aguardar para que uma ida - quem sabe, de férias - compense tamanha rapidez.