domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cinemania



Voltei ao cinema e não há melhor momento para fazer isso do que nas vésperas do Oscar. O prêmio da Academia pode não ter o mesmo glamour e qualidade de festivais como Cannes, Berlim e Veneza, porém é inegável que ainda consegue reunir alguns dos melhores filmes do ano. Quero ver todos e a agonia da impossibilidade de isso ocorrer na velocidade que quero, dá a eterna sensação de incompletude. Mesmo sabendo que as piadinhas vão me cansar e que no dia seguinte estarei com um sono danado, quero assistir à cerimônia do Oscar torcendo para os meus favoritos e não para aqueles que os críticos escolhem. Para cumprir essa tarefa, preciso comparecer ao cinema religiosamente.

Lá pelos idos de 2002, curti 10 dias dos sonhos. Trabalhava no portal iBahia.com, escrevendo sobre cultura. Eis que acontece o Panorama Coisa de Cinema, então a maior mostra de filmes de Salvador. Fui escalado para cobrir o evento, para minha felicidade. Três filmes por dia, entrando e saindo de salas de cinema, com um sorriso sempre estampado no rosto. Deveria escrever alguns parágrafos sobre cada um daqueles filmes e as idéias se multiplicavam na minha cabeça. Na escuridão da sala, rabiscava em um pedaço de papel garranchos que marcavam minhas impressões sobre os filmes. O medo de esquecer aquela frase dita com tanto vigor pelo protagonista era mais forte do que o relaxamento em usufruir a experiência cinematográfica. A cada filme, naturalmente, ia ficando melhor em guardar as sensações mais importantes na memória, sem grandes angústias.

Hoje vejo filmes somente por lazer, mas tenho vontade de escrever sobre cada um deles. Talvez não tenha mais a fluidez de outrora, possivelmente me desatualizei no ano que menos fui ao cinema, o ano passado. Porém já entrei em 2012 disposto a mudar isso. Três passos importantíssimos garantem a minha atualização frequente. O primeiro foi a mudança de casa, que me colocou ao lado de um bom shopping com ótimo cinema, o Unibanco do Bourbon. O segundo foi a compra de um aparelho de blu-ray com home theater, que me incentiva a querer ver um filme a toda noite. O terceiro, na verdade dois passos em um só, foi a assinatura do Netmovies, com entrega em casa, e o pacote de filmes que a Net HD deixa à minha disposição. O cardápio é extenso e está pronto para ser degustado, promovendo o meu reencontro com a Sétima Arte.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Um fim de semana para se guardar


Desembarcar numa cidade com medo foi estranhamente revelador para mim. Constatei que minha relação com Salvador, minha terra natal, é de amor e ódio. Ódio talvez seja uma palavra dura demais e não estampe a realidade na sua completude. Mas encaixa-se como uma luva com o momento em que a metrópole atravessa - de total abandono. Sinto raiva da deturpação do jeito baiano de ser, antes conhecido pela malemolência quase charmosa e hoje mais chegado à esculhambação da pior estirpe. Às vezes acho que estou chegando numa cidade habitada em sua maioria por pessoas que não se preocupam com nada que não esteja debaixo dos seus narizes. Não há lei, tudo pode, e nada, por mais absurdo que seja, é passível de condenação. Salvador acreditou muito no culto à sua alegria e jeito acolhedor, foi traída por sua autoconfianca e hoje é uma sombra do que já foi e do que poderia ser.

Mas sempre há ocasiões em que um lampejo, digamos, mágico me lembra que não há uma terra como aquela que chamamos de nossa. Adoro morar em São Paulo e só me mudaria daqui se forçado. Mas não posso mentir que em alguns momentos percebo que só me sinto em casa mesmo quando ando nas ruas hoje sujas e maltratadas da Barra, quanto tomo um banho no Porto, quando assisto a shows dos melhores músicos da Bahia, quando como um caruru com xinxim de galinha, quando busco uma sombra com o privilégio da brisa do mar, quando forço no sotaque baiano para o menino de rua perceber que tenho olho azul mas sou baiano, quando dou risada com a sinceridade sem vergonha do garçom que traz minha cerveja gelada e lambreta suculenta. A lista é infinita e todos esses momentos têm cheiros, sons e cores vivas.

Neste fim de semana de greve da Polícia, quando achei que o perigo que rondava a cidade só ia prejudicar a minha estadia, vivi muitas dessas coisas. Foi principalmente um sábado memorável, que começou com minha sobrinha de 1 ano pela primeira vez se entregando de completo ao tio, me seguindo por todos os cantos da casa e chamando pelo nome, a qualquer momento que saia do alcance dos olhos dela. Prosseguiu na visita a duas tias que amo muito, logo depois de comer um pratão com delícias que só a Bahia oferece.

Passou a pegar fogo de fato em um aniversário à beira-mar, que teve de Timbalada à cover de AC/DC, numa mistura surreal que só poderia acontecer em Salvador. Aniversário este que comecou com uma sensação de não-pertencer, pela intimidade apenas recente com o homenageado do dia, mas que logo foi preenchido com a presença de alguns dos melhores amigos e parentes que tenho. O pôr-do-sol sensacional só aumentou o conforto. O dia, porém, estava longe de acabar, como provou o seu apogeu, com o show de Moraes Moreira e Pepeu Gomes. Enquanto alguns amigos e parentes tinham medo de sair de casa por conta da greve, eu andava tranquilamente pelo centro da cidade e conhecia um belo e tradicional clube, o Fantoches. Estava entupido de uma alegria que parecia reprimida pela violência e insegurança provocadas pela greve. Lá dentro era só uma sensação boa, acompanhada pelos maiores sucessos de Moraes, Pepeu e Novos Baianos. Uma música que não envelhece e que mantém o talento da Bahia aceso, longe dos filhos de Bell Marques e dos pagodes repetitivos e agressivos. Fui tomado por uma espécie de êxtase combinada com paz interior, lembrando imediatamente o que Salvador tem de melhor. Foi um momento que evidenciou o que mais gosto na minha terra. Isso ao lado de primos e amigos que sempre sinto falta e que funcionam como ímãs, sempre me trazendo de volta a Soterópolis.

Para encerrar em alto estilo, uma esticadinha pós-show rumo a um predio na beira da Avenida Contorno. Minha vista favorita da cidade com uma lua quase cheia, iluminando absurdamente o mar. Fiquei ali na varanda, na verdade um mirante disfarçado de varanda, vendo o mar calmo e a lua reluzente, absolutamente ignorantes do caos instaurado na cidade. Naquele momento tive uma certeza: a vantagem de não morar em Salvador é ter que voltar sempre, para curtir o que a cidade tem de melhor. De longe fico na torcida para que não estraguem ainda mais a boa terra, assim posso ir e voltar sempre com um sorriso estampado no rosto.