domingo, 26 de dezembro de 2010

Um ano de saudade


No dia 31, minha avó materna completa um ano de falecida. Deu um jeito de ir embora justamente no último dia do ano, quando todos os filhos e muitos dos netos estavam em Salvador. Até hoje não sai de minha cabeça uma das cenas mais tristes - porém de uma beleza indescritível - que presenciei: pelo menos uns 30 dos seus descendentes, ao seu redor, ouvindo seu último suspiro. Do jeito que ela queria, em casa, com a família unida. Fechou assim um ano triste em que dois dos seus genros já tinham ido embora.

Se a falta que ela faz é inestimável, não há como negar que viveu os seus 97 anos com intensidade única. Verdadeira matrona, quase uma Corleone de saias, minha avó sempre foi o eixo central de uma grande família - com 10 filhos, quase 30 netos e outro generoso punhado de bisnetos. São muitas as histórias protagonizados por ela, que carregava como marcas registradas a personalidade forte, a dedicação extrema aos seus entes queridos e o poder de hipnotizar todos a sua volta. Com voz forte até seus derradeiros anos, queria saber de tudo e de todos, vibrava com as conquistas e sabia dar as broncas necessárias.

Casou tarde e teve o primeiro filho apenas aos 27 anos, numa época em que com essa idade ficava-se era para a titia. E era solteira por escolha, costumava dizer que meu avô muito insistiu para que ela casasse. Com os primeiros dois filhos, uma garota e um garoto, deu por encerrada a conta, sem imaginar que outros oito viriam pela frente. O destino fez com que ela aceitasse a posição de líder de uma grande família, o seu verdadeiro dom.

Só uma coisa era capaz de tirar minha avó do sério. Uma história da juventude, que fugiu ao seu controle e era assunto tabu. Ela foi escolhida como a primeira Miss Bahia, em uma eleição que antigamente era feita pelo maior jornal da cidade, sem candidatura prévia. Sem saída, foi praticamente obrigada a aceitar o posto e ainda teve que desfilar em carro aberto no Rio de Janeiro, no concurso de Miss Brasil. A beleza se manteve até os seus últimos dias, assim como a má vontade em falar do assunto.

Guardo na memória felizes encontros de domingo em sua casa, quando os filhos e netos se reuniam para homenageá-la. Dia de muita conversa, comes e bebes, a confusão básica de uma família que sempre soube viver bem. Ao menor atraso de algum dos seus filhos, lá estava ela puxando a orelha. Os eventuais almoços nos dias de semana, com a sopa de massinha, a comida italiana e o sorvete caseiro para encerrar, deixam saudade. E as temporadas no sítio Portão, casarão antigo que muitas festas presenciou e que perdeu muito do sentido com a passagem de minha avó. Entre as muitas cenas em Portão, uma era clássica: ao pedir uma caipiroska para relaxar, tinha a sua bebida favorita intercedida pelas filhas, que pediam para colocarem um pouco menos de álcool. Não se dava por vencida, e devolvia a bebida dizendo: "Essa está muito inocente, façam o favor de me trazer outra!"

Nesse final de ano, minha avó já fez muita falta no Natal, quando seus netos - marmanjos ou não - se reuniam para cantar no clássico coral. Certamente, estava de olho na festa de onde quer que ela esteja. E feliz, por ver a família reunida, como ela sempre quis.

domingo, 5 de dezembro de 2010

"A Rede Social": pode apertar o botão "curtir"!


David Fincher é um dos meus diretores favoritos. "Seven - Os Sete Pecados Capitais", "O Clube da Luta", "Zodíaco", "O Curioso Caso de Benjamin Button"... Todos ótimos filmes que trazem a marca indiscutível do seu diretor. Difícil apontar um filme de Fincher que ao menos não mexa com seu público. O mais recente deles é "A Rede Social", que chegou aos cinemas brasileiros com status de favorito a várias indicações ao Oscar. Tendo a criação e trajetória do Facebook, rede social mais popular do planeta, como mote, o filme poderia ter usado recursos tecnológicos para contar a história. Mas não, preferiu se amparar na história incrível e na força de seus atores. Decisão acertada, pois é o drama humano que vale aqui. Fincher, muito esperto, optou por uma direção mais contida, sem os arroubos (justificados) de seus filmes anteriores. Mostrou que é de fato um ótimo diretor que sabe trabalhar a serviço do resultado final. E também provou que é um eficiente diretor de atores. Aqui, todos estão bem, desde o protagonista até o extenso elenco de apoio. Para completar, fez uso de uma eficiente e nervosa trilha sonora composta por Trent Reznor, homem por trás do rock industrial do Nine Inch Nails.

Se nao fez uso de truques tecnológicos, o filme pega emprestado algo que é essencial na linguagem da Internet: a rapidez dos diálogos, determinantes para o sucesso da história. É preciso concentração para não se perder nos diálogos cortantes, a maior parte deles - naturalmente - com participação do protagonista Mark Zuckenberg, dono do Facebook muito bem representado por Jesse Eisenberg (desde já apontado como escolha certa entre os indicados a melhor ator, no Oscar). Outro que manda muito bem é Andrew Garfield (futuro Homem-Aranha), que faz o brasileiro Eduardo Saverin, co-fundador do Facebook que é passado para traz pelo "amigo". Também rápido nos diálogos, porém um degrau abaixo em qualidade na interpretação, aparece o rosto mais conhecido do elenco: Justin Timberlake. Na pele de Sean Parker, o cara que criou o Napster, ele tem papel primordial na história e é o personagem que mais traços de vilania carrega.

Ao sair do filme, entrei numa discussão sobre se o filme prejudica a imagem do Facebook. Creio que não, pois o site virou um sucesso por conta dos internautas que o abraçaram quase que instantaneamente, espalhando-o pelo mundo. E esses internautas não vão abandonar a rede social só porque ela foi construída por cima de passos imorais. Mas não há como negar que seu fundador sai com a imagem arranhada. Tomando decisões antiéticas e sempre com um rei na barriga, Mark pode não ser um vilão clássico, mas passa longe de ser o herói que poderia. Criador da mais bacana rede social que existe e bilionário mais jovem do mundo, ele mostra ser um fraco nos princípios mais básicos. Além de antiético, é vingativo, seco e desleal. Algumas das suas escolhas mais duvidosas poderiam ser justificadas pelos maus-bocados que sempre passou. Ok, nem tão maus assim, é bem verdade: ele é apenas um nerd, que mesmo genial, nunca foi completamente aceito e passou longe de ser popular. Um esquizóide que não tem jeito nenhum com as mulheres e tem poucos amigos. Um desses que num cenário mais trágico entra numa High School e mata vários colegas e professores. Mas ele é genial. Então decide canalizar suas frustrações em uma rede social inovadora. Mesmo que para isso tenha que passar por cima de tudo e de todos.