quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Um país em evidência


Conhecer a Venezuela no momento em que Hugo Chávez está mais em evidência é no mínimo curioso. Na semana que passei neste país da América do Sul que sempre se afeiçou mais à América Central, mas que ultimamente tem se aproximado do sul, o polêmico presidente venezuelano era notícia por três motivos. O primeiro, que ainda não foi resolvido, era a entrada da Venezuela no Mercosul, questão que vem suscitando intensas discussões no Brasil. O segundo era a ameaça de guerra enviada por Chávez para seu colega colombiano Álvaro Uribe, algo que não deve passar de mera retórica. Por fim, o terceiro motivo era o racionamento de energia, que levou o Comandante a solicitar que os venezuelanos tomassem banhos de no máximo três minutos. Essa declaração, pois, entra com honrarias na folclórica lista de frases de efeito proferida por Chávez. O mais irônico de tudo, porém, foi estar na Venezuela e assistir de longe o apagao que ocorreu no Brasil...

No dia que passei na província de Maracaibo, fronteira (fechada, diga-se de passagem) com a Colômbia, pude sentir uma tensão no ar. Um pouco por causa da ameaça de "guerra", mas muito por conta da insegurança rotineira da região, que sofre com altos índices de assaltos e sequestros. Quando a fronteira estava aberta, era comum a horda de colombianos invandindo os postos de Maracaibo para comprar gasolina barata. Por esse motivo, os postos da região hoje possuem cota diária de abastecimento e contam com filas enormes. Quando me refiro à gasolina barata, devo ressaltar um pouco mais esse ponto: é praticamente de graça. Utilizando como referência o câmbio oficial do dólar (algo como 2,15 bolívares), um tanque cheio de um Suzuki Vitara, por exemplo, pode ser enchido com meros três dólares. Na real (leia câmbio negro), quando um dólar custa cerca de 5 bolívares, dá para sair com o carro entupido de gasolina por cerca de um dólar. Isso mesmo, um! Chorai brasileiros que sofrem com apenas um litro (bem) mais caro que isso. Tabelada e subsidiada pelo governo, a gasolina é motivo de orgulho para o venezuelano, que reprime com revoltas qualquer chance de aumento. Presidentes anteriores tentaram aumentar o preço e o saldo final foram dezenas de mortos em enfrentamento com a polícia. Chávez, que não é bobo nem nada, não mexe nessa questão.

Caracas é uma cidade deveras interessante, com os contrastes típicos das grandes metrópoles latinas. Encravada em uma espécie de depressão, a cidade é rodeada por altas montanhas e morros, que vagamente lembra o Rio de Janeiro. De uma década para cá, boa parte desses morros passou a ser ocupada por imensas favelas, bem menos violentas que as nossas, mas ainda assim impressionantes. No geral, nas regiões mais centrais e movimentadas, Caracas é uma cidade bem cuidada e bonita, com arquitetura interessante e comércio intenso. Dizem, inclusive, que a elite de Caracas só é menos consumista que a brasileira, entre os países da América do Sul. Entretanto, ao entrar um pouco mais na cidade, a sujeira e o caos urbano imperam. O trânsito, naturalmente, é louco. As casas da elite que Chávez não consegue conter, se mantém no alto de alguns morros - aqueles que não são ocupados pelas favelas.

Curioso perceber também que só uma cadeia internacional de hotéis se manteve: a espanhola Meliá. Todas as outras, notadamente as americanas Hilton e Four Seasons, foram expulsas do país. Não há propriedade privada na Venezuela, ao menos a Constituição deles assim explicita. O que há é posse temporária das terras. Tudo é do governo - "terra livre, homem livre". Com esse mote em mãos, Chavéz tem carta branca para desapropriar sempre que quiser. Sem adversários políticos fortes na oposição, com exceção de parte da imprensa, o Comandante deve se manter no poder por muitos anos. Ainda mais com as reeleições perpétuas que lhe são garantidas.

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Três pequenas curiosidades venezuelanas:

* A cidade Maracaibo é conhecida como a mais quente e a mais fria da Venezuela. Explica-se: as temperaturas externas chegam a mais de 45 graus em alto Verão, mas as internas beiram 15 graus. Não importa a época do ano, onde há espaço fechado em Maracaibo, o ar condicionado entra bombando.

* Os venezuelanos e os brasileiros que vivem em Caracas garantem: Lula é pop star por lá. Admirado pelos seguidores de Chávez e por parte da oposição, o presidente brasileiro agrada a todos.

* O fuso horário na Venezuela é possivelmente único no mundo. Lá, os relógios estão acertados com 2h30 a menos que o horário oficial de Brasília. Isso mesmo, tem 30 minutos quebrados de lambuja. Ao perguntar o motivo dessa diferença, esclareceram de prontidão: foi idéia de Chávez, ele consegue o que quer. A justificativa do Comandante foi a seguinte: essa meia hora permite que as crianças levantem cedo para irem a escola com o sol já brilhando...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

No rastro da informação


Já se passaram dois anos desde que abandonei a redação do jornal Correio da Bahia e passei a me dedicar a área da Comunicação Corporativa. Cada vez mais, percebo que fiz a escolha certa e não me arrependo de um único passo. Algo que é notável para uma pessoa sempre cheia de dúvida como eu e que adora um arrependimento de caju em caju. Não deixo, porém, de olhar com certa nostalgia para alguns dos textos que escrevia no caderno de Cultura do Correio da Bahia, que guardo em uma pasta lá no fundo armário. Por dois anos, muito aprendi. Como era prazeroso escrever sobre música, cinema, literatura e quadrinhos. Desenvolvi meu texto, aprendi a moldar uma certa cara-de-pau, entrevistei artistas que sempre admirei e mantive-me sempre antenado com as novidades do mundo cultural. No Correio, também fiz amizades que levarei para sempre, especialmente entre meus colegas do Folha da Bahia.

Depois desses 24 meses, posso dizer que não sou mais tão informado sobre música e cinema como antes. Entretanto, acredito que me mantenho acima da média, mesmo que sem o contato antecipado com as tendências e com o que importa nesse meio. É natural, afinal o foco do meu trabalho hoje é outro. Não deixo, porém, de ir ao cinema, de comprar CDs, DVDs e livros, de frequentar os principais festivais de música e de ler bastante. Não perdi, pois, um hábito que levo comigo há anos, que é ler sobre cultura, especialmente música. É uma maneira de prosseguir razoavelmente informado. Em minhas viagens recentes ao exterior, sempre adquiro algumas boas revistas inglesas e americanas, sempre muito caras no Brasil.

No momento, nosso país está relativamente bem servido na área. Se a Bizz não existe mais, a Rolling Stone ocupou o espaço com vigor e outra publicação internacional acaba de chegar para enfrentá-la: a tradicional Billboard. Há espaço sim para as duas, pois os focos são levemente diferenciados. Enquanto a RS foca no mundo pop e trata também de celebridades, política, moda e comportamento, a Billboard é quase que exclusivamente música, só que passenado pelos mais diversos gêneros- até mesmo pagode, sertanejo e outros estilos de gosto duvidoso.

A Rolling Stone comemorou 3 anos de Brasil com uma edição especial com as 100 maiores músicas brasileiras da história. Lista equilibrada, encabeçada pela vigorosa "Construção", de Chico Buarque. Dominam a lista medalhões como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso e Tim Maia, com poucos representantes da safra mais recente. Na edição de estréia, a Billboard estampou o mais popular dos artistas brasileiros na capa, o rei Roberto Carlos. As matérias, em geral, são equilibradas, mesmo que pouco inventivas. O que salta aos olhos mesmo são as listas das paradas de sucesso em várias partes do mundo e no Brasil, com cortes específicos nos principais estados brasileiros. Vale uma curiosa olhada, para perceber como o axé ainda é forte na Bahia e como o sertanejo domina os estados mais centrais. Em São Paulo e no Rio reza uma cartilha mais diversificada e chegada ao internacional. Entre as matérias, a que mais me saltou aos olhos foi a sobre os 30 anos do punk no Brasil. Boa materia que me fez lembrar de um dos melhores livros sobre música que já li, o intenso e inventivo "Mate-me Por Favor" ("Please Kill Me"), que reúne a história do punk (e o que veio logo antes dele) nas declarações daqueles que participaram do movimento. Para ler e guardar.